31/10/07

(...)
A tua voz sossega-me... Sossega em mim o desejo de partir e de te
procurar...Sossega em mim a loucura de me afundar no nosso rio e de te
procurar no profundo azul sabendo que a viagem seria sem retorno...
"Nos teus braços morreria" e na tua boca reviveria o sonho impossível
de tudo desconstruir tendo-te...Na tua voz recordo teus olhos marejados pela injustiça da incompreensão do que nos rodeia...Na tua voz revivo os sons de um amor eterno e puro que ninguém mais viverá porque nosso...
Porém, no silêncio da tua voz sinto o brilho dos meus olhos e no brilho dos meus olhos sinto-me o espelho do teu amor...

E rio-me...Rio-me das definições...das sentenças...das certezas...Rio-me da perenidade dos sentimentos alheios...do pequenino que é o amar dos
outros...do "teatro" das vidas que perante nós desfilam...Rio-me do espanto
desajustado de quem não sente o simples...de quem não sente o difícil da distância...de quem não sente o quente que o afastamento não esfria.
(...)



Há silêncios tão inquebráveis que mais parecem ter a dureza dos diamantes, mas não a sua preciosidade...


***...***...***
(Magritte)/"Quando abarcarmos esses mundos e o conhecimento e o prazer que encerram, estaremos finalmente fartos e satisfeitos?",WW

30/10/07

'O nosso canto...'

Lavo os ouvidos e a alma com o Concerto para Violino e Orquestra (Fá menor /Op.64) de Mendelsson para conseguir a coragem de atacar e te dedicar os meandros do Concerto para Piano e Orquestra nrº 1 (Si Bemol Menor /Op.23) de Tchaikovsky.

Realmente, a tua surpresa foi magnifica. O teclado novo mas condescendente ao toque, os pedais que suavizam a minha impetuosidade permitindo-me abafar dos outros o que só a nós diz respeito, os martelos de madeira nobre por sobre os feltros verdes a fazer repercutir o cordame com a afinação doce e precisa...Tudo conjugado para que o bichano faça o arco de consolação e se delicie olhando pela janela a nesga do nosso rio sem que a magia do momento fique arranhada pela perenidade das desconstruções apressadas.

As tuas mãos nos meus ombros, a espiaram a evolução dos meus dedos no teclado, proporcionam-me o cromático que me falta para poder dar-te a real escala do que me invade na eterna luta entre os crescendos e os diminuendos.

Olhando-te através do reflexo que os vidros da janela me enviam, os teus olhos devolvem-me a certeza de que o momento é nosso e de que ficarão eternamente a pairar naquela sala muito para além da nossa momentânea passagem.

Páro a meio do Tchaikovsky, precisamente quando o meu diálogo com a orquestra parece em sintonia divina e uníssona: os violinos lutam com os contrabaixos pela primazia da tua presença e as trompas e as flautas inrompem em alertas de desassossego triunfal até que imponho, numa escala freneticamente decrescente e quase dissonante, a vontade crescente de eternização do nosso tema...

Sinto o tremer da tua incompreensão...Sem saber porquê, ou sabendo-o no interior do meu desejo, as minhas veias ganham a vida necessária para voltar a Mendelsson, vindo-me à memória das nossas mãos o Rondo Capriccioso em Mi Maior (Op.14).

O seu final, já por nós partilhado de memória e com os livros desarrumados pelo chão, é a confirmação de que a escolha daquele local e daquele piano foi ditada pelo conhecimento mútuo de que os pedacinhos que tentamos resguardar um do outro são o que nos une na nudez da alma.

@rco
99.12.20

Lembrei-me, ainda mais, destas palavras quando alguém me questionava da minha relutância perante as 'aventuras duma noite'...como explicar, como fazer entender, a necessidade da intimidade, da cumplicidade que só o tempo permite?!


***...***...***
(Magritte)/"Quando abarcarmos esses mundos e o conhecimento e o prazer que encerram, estaremos finalmente fartos e satisfeitos?",WW

09/10/07

Colocamos outro CD?

O omnipresente latejar da pressão nas têmporas torna-me consciente do inconsciente e inconstante pulsar do coração.
À minha volta, as cores convergem vertiginosamente sintetizando-se no branco e o fio da vida reduz-se até ampliar desmesuradamente o eu em que se debate o frenesim da busca de um entendimento.

Quando assim acontece, invariavelmente coloco no leitor o CD e deixo-me sugar para o interior das Sinfonias de Mahler, o meu compositor de eleição e ao qual deixo ler na perfeição os desesperos e as aspirações.
Dentro delas, e no desenrolar das esotéricas evoluções dos seus temas, sinto-me como um Átomo, constantemente arremessado, invariavelmente ricocheteando, incessantemente reacendido até ao infinito pelos vários naipes da orquestra, e resolvo-me diluir os sentimentos ficando hesitantemente a pairar por entre o absoluto do silêncio e a mágica violência intrigante de uma nota aparentemente dissonante.

É aí, nessa magia feita de isolamento, que faço a leitura do que o Universo tende a esconder à urgência do viver. É aí que sorrio pelo re-encontrar da perdida e esquecida fórmula simples que me resolve e nos devolve o mistério do sentido da vida. É aí que num êxtase de Apocalipes me sinto solidário com o devir ao ser humano e com a sua teimosa constância na transição eternamente mitigada do corpóreo ao espiritual. É aí­, enfim, que me dispo da multiplicidade da consciência intrínseca aos seres vivos e aposto as nossas vidas na cumplicidade unilateral e universal entre os seres humanos.

O que de mim retorna a mim é um eu momentaneamente expurgado da contradição e tão abrangente que se assusta com o desapego à vida sentido pelo que de tão pequenino em si mesmo re-encontra nesse processo de retorno.

De repente... A enormidade da vida! Uma mão meiga que me afaga...Uns olhos penetrantes que me interrogam...Um sorriso tí­mido que em mim procura aprovação...Um abraço quente e terno que me devolve o sentido terreno...Um outro eu que se me oferece puro sem condições e com as suas contradições...Um mútuo "obrigado!" que nos confessa a ambos o desejo de eternidade...

Não, meu amor...Não era sonho nem desespero. Era só!, a minha maneira de te dizer que sou humano e que estas "viagens" retemperam em mim o gosto e o sentido de te amar.

Colocamos outro CD?


in "Folhas Soltas", J - 11.Dez.00

***...***...***
(Magritte)/"Quando abarcarmos esses mundos e o conhecimento e o prazer que encerram, estaremos finalmente fartos e satisfeitos?",WW