28/12/03

Coincidência?(2)

(...as coisas que uma pessoa descobre...depois ainda se diz por aí que não há coincidências, pois...parabéns!, atrasados...)

«Quarta-feira, Setembro 10, 2003
Bom dia Lisboa
tirem-me daqui. debaixo do sol. vou ser aumentado... no desemprego. será que a segurança social ainda dá fundo?
amok, 2003-09-10 (11:29)

J R 2:30 PM »

amok

27/12/03

«Fazes-me Falta» (2)

“A amizade, história de perdões incessantes. Com o passar do tempo perdemos a paciência para a história, já não nos importa perdoar e ser perdoados. Essa aeróbica interior cansa, miúda. Eras tão obsessiva em tudo. Queria roubar-te a obsessão, ter outra vez os teus vinte anos. Mas eu era já demasiado velho, voltava a ser novo, como as crianças, trocando um brinquedo pelo outro, respondendo ao brilho da próxima mão, existindo à superfície das coisas, táctil. A sabedoria do gozo, avessa à ciência do prazer. A felicidade esgotava-te, o sofrimento exaltava-te, nada era fácil para ti.
-Como podes ter vivido tanto e ser tão leve?, perguntavas-me. Eu respondia apenas com sorrisos. Ai de ti, se descobrisses que viver demasiado é desistir da vida. Como as crianças. Morrem num instante. Magoam-se menos. Não sabem que a morte existe. É por isso que não perdoo a tua morte. Crava-se-me nos ossos. Sou a tua morte, para que tu vivas ainda. Precisava de um filho que me tornasse mortal em vez de morto. De um ser sem passado nem futuro, hoje, aqui, nos meus braços afogados na tua sombra. O que viverá de ti quando eu morrer?

Inês Pedrosa

'Escrevo para me aliviar'

«Só tenho vontade de escrever num estado explosivo, na excitação ou na crispação, num estupor transformado em frenesi, num clima de ajuste de contas em que as invectivas substituem as bofetadas e os golpes. (...) Escrevo para não passar ao ato, para evitar uma crise. A expressão é alívio, desforra indireta daquele que não consegue digerir uma vergonha e que se revolta em palavras contra os seus semelhantes e contra si mesmo. A indignação é menos um gesto moral que literário, é mesmo a mola da inspiração. E a sabedoria? É justamente o oposto. O sábio em nós arruina todos os nossos élans, é o sabotador que nos enfraquece e nos paralisa, que espreita em nós o louco para dominá-lo e comprometê-lo, para desonrá-lo. A inspiração? Um desequilíbrio súbito, volúpia inominável de se afirmar ou de se destruir. Não escrevi uma única linha na minha temperatura normal. (...) Escrever é uma provocação, uma visão infelizmente falsa da realidade, que nos coloca acima do que existe e do que nos parece existir. Competir com Deus, ultrapassá-lo mesmo apenas pela força da linguagem, esta é a proeza do escritor, espécime ambíguo, dilacerado e enfatuado que, livre da sua condição natural, se entregou a uma vertigem magnífica, sempre desconcertante, algumas vezes odiosa. Nada mais miserável do que a palavra, e no entanto, é através dela que atingimos sensações de felicidade, uma dilatação última em que estamos completamente sós, sem o menor sentimento de opressão. O supremo alcançado pelo vocábulo, pelo próprio símbolo da fragilidade! Pode-se alcançá-lo também, curiosamente, através da ironia, com a condição de que esta, levando ao extremo sua obra de demolição, cause arrepios de um deus às avessas. As palavras como agente de um êxtase invertido... Tudo o que é realmente intenso participa do paraíso e do inferno, com a diferença de que o primeiro só podemos entrevê-lo, enquanto o segundo temos a sorte de percebê-lo e, mais ainda, de senti-lo. Existe uma vantagem ainda mais notável de que o escritor tem o monopólio: a de se livrar de seus perigos. Sem a faculdade de encher as páginas me pergunto o que eu viria a ser. Escrever é desfazer-se de seus remorsos e rancores, vomitar seus segredos. O escritor é um desequilibrado que utiliza essas ficções que são as palavras para se curar. Quantas angústias, quantas crises sinistras venci graças a esses remédios insubstanciais!»

[Confissão Resumida, páginas 123 e 124;
“Exercícios de Admiração”, de E. M. Cioran]


http://www.zonanon.org/ideias/pm030216.htm

A Antígona de Sófocles e Anouilh

A Antígona situa-se a meio da carreira literária de Sófocles e é um dos dramas clássicos mais admirados pelo público inspirando um extenso número de reescritas em géneros, línguas e meios muito diversos. Deste modo, influenciado por Sófocles, Anouilh* traz a lume, em 1944, uma recriação da peça Antígona.

Para Anouilh, a figura de Antígona é de desprendimento do mundo, um mundo corrupto, em decadência, por isso Antígona sabe que a morte é a atitude mais digna, porque só assim poderá cumprir o seu dever de dar sepultura ao irmão e também porque deixará de viver num mundo impuro, onde entram em conflito a lei dos deuses com as leis da Terra.

A obra de Anouilh reflecte uma miscelânea da metalinguagem com a vida, um teatro sobre o teatro da vida, sobre os papéis sociais que os “actores” são obrigados, pelo guião social, a desempenhar. Parece estarmos perante uma nova concepção do destino onde este já não é determinado pelas Parcas, mas sim pelo carácter, pelas opções, pela condição social e também pelas funções exercidas na sociedade. Esta concepção do destino encontra eco no nosso tempo em que o homem rejeita as ordens superiores, no entanto, continua pleno de reminiscências das épocas em que se acreditava nos deuses. É neste sentido que Anouilh actualiza o mito, na medida em que coloca os problemas tal como eles surgem no nosso quotidiano.

Já no seu tempo Sófocles havia criado os seus caracteres inspirado no ideal de conduta humana. Humanizou a tragédia e fez dela o modelo imortal da educação humana. Assim, Antígona eleva-se a uma grandeza humana pelo aniquilamento da sua própria felicidade terrena e da sua existência física e social. O drama de Sófocles gira em torno da imposição política que pesa sobre o espírito individual na interioridade silenciosa do ser. Este silêncio e também a solidão são as condições essenciais do teatro de Sófocles.

A obra de Sófocles e a de Anouilh foram representadas em épocas diferentes, no entanto ambas convidam ao estudo de uma vertente feminista se remetermos para o facto de Creonte e Antígona representarem dois pólos antagónicos. Creonte não admite nem consente a falta de Antígona, possui o poder real e pensa que o pode perder ao reconhecer a uma mulher o direito de o contestar. Este facto vem comprovar que na Antiguidade as mulheres não têm o direito de refutar as decisões masculinas, mesmo quando estas provem ser injustas e afrontem os próprios deuses. O debate entre as duas irmãs centra-se na questão do papel a desempenhar pelas mulheres na cidade. A pólis é uma realidade essencial na vida dos gregos e em Sófocles verifica-se que esta surge como mediadora entre o Homem e o mundo.

O drama de Anouilh, espelho de uma sociedade, reflecte um mundo onde o homem para não se corromper arrisca a própria vida chegando mesmo ao extremo: a morte como a única solução. A vida e a morte surgem como os valores mais importantes do ser humano, abordando concomitantemente outros temas como o amor fraternal e o respeito pelas leis humana e natural.

Conceição Azevedo
Línguas e Literaturas Clássicas e Portuguesa

*http://www.uma.pt/Publicacoes/FORUMa/200207_A2N4/antigona_2.html

A delicada majestade

Um dia poderás chegar, tu que nunca chegas
porque não és um tu
ou porque chegas sempre em não chegares.
Subi um dia por uma escada silenciosa
e em torno era um pomar branco, tranquila maravilha
e eu senti, eu vi, adivinhei
a divindade amada, a soberana e delicada
majestade. Que suavidade de oriente,
que suave esplendor! Era o fulgor de um sono
límpido, entre olhos verdes, entre mãos verdes.
E num repouso de oiro adormecido era quase um rosto
Antiquíssimo e inicial. Contemplava
a quietude de um imenso nenúfar
e a fragância era quase visível como um mar entreaberto.
Era um rio detido ou uma tersa nuca ou um braço estendido
que descansa entre ribeiros primaveris
ou era antes a serena felicidade
e era uma boca da terra que não cantava que não dizia
o silêncio ardente que no peito de espuma cintilava.

ARR

ACORDES, QUETZAL EDITORES, 1990, 2ª EDIÇÃO, P. 79

...sobre D. Quixote, Sancho Pança...e a Lealdade

Entrevista de Dinis Machado...«(...)

DM- O lado Sancho Pança, mas aviltado está a dominar a situação. O Sancho Pança é uma personagem simpática, não é um vilão. É limitdo, tem sonhos de pequeno burguês, como ser governador de uma ilha.

Ele é de uma fidelidade a toda a prova.

DM - Isso é muito bonito.

Não sei, porque fiéis são os cães, não é?

DM - Aqui não é fidelidade. É lealdade. A não-pratica da traição, ou a impossibilidade pratica da traição. Ele é a favor do outro mesmo em circunstâncias em que não devia ser.

Nós somos solidários com as nossas ideias, ele é solidário com as ideias do outro.

DM - O que é muito interessante. Ser capaz de ser leal é uma das coisas que vale a pena ...É bonito. A pratica da lealdade, mesmo com um punhal nas costas. A lealdade é um sentimento muito nobre, que talvez ninguém mereça, mas quem a pratica acha-a necessária.

(...)»

...sabe tão bem ver q ñ estamos sós...nc duvidei q a lealdade é, incomparavelmente, mais válida q a fidelidade, mas sabe bem ver essa confirmação, assim, pública...

Dom Mai 18, 2003 10:11 pm, no Fórum da ZonaNon, retirado da "Pública/Público"

26/12/03

25/12/03

Amor com prazo de validade

"Primeiro vem o cheiro,
depois os olhos desde sempre
conhecidos, a seguir o abraço
de mistura com palavras doces e amargas - almas gémeas zangadas? -
e depois a despedida.
Quem me livra deste amor que não escolhi? Meus Deus, livra-me de mim."

Pedro Paixão - Histórias Verdadeiras

****

Há quem diga que os grandes amores têm prazo de validade.
Percebe-se porquê. Para serem grandes têm de ser permanentes e invasivos. Têm de provocar tensões, ansiedades e medos de perda. Precisam de drama e de mistério. Precisam de proximidades e inacessibilidades, de presenças e de ausências, de partidas com lágrimas e de regressos apaziguadores. Precisam de um movimento, de uma cor e de um cheiro que os tronem únicos.

Estupidamente, nós, protagonistas das histórias de amor não precisamos de nada disto. Não aguentamos tanto folclore com facilidade e acabamos repartidos entre a ideia de que "é bom" e "isto não pode continuar";´"é muito bom", "devo estar louco"; "é o homem da minha vida", "ninguém faz isto"; "tenho que pôr ordem na minha vida" e "que coisa mais anormal".

Vai daí, suspiramos pela normalização da relação, pelo momento em que tudo decorra tranquilamente. Desejamos poder ser capazes de nos voltarmos a preocupar com assuntos banais, com temas sem nenhuma referência ao outro. Esperamos o dia em que, sem mágoa, o possamos mandar de fim-de-semana com os amigos ou à pesca para longe.

Claro que quando esse momento chega e se instala, quando o amor se adquire como facto consumado, esperado e devido, deixa-se o território do grande amor.

Fica-se com a nostalgia de uma iniciação, a saudade do que já foi, o compromisso desejável entre o tudo e o nada. Ou então reinicia-se o ciclo da procura de sentidos e lá vamos nós outra vez hesitantes.

"Quem me livra deste amor que não escolhi? Meu Deus, livra-me de mim".

Isabel Leal, «Gostar de Quem Não Gosta de Nós»

Ode ao gato

Os animais foram
imperfeitos,
compridos de rabo, tristes
de cabeça.
Pouco a pouco se foram
compondo,
fazendo-se paisagem,
adquirindo pintas, graça, vôo.
O gato,
só o gato
apareceu completo
e orgulhoso:
nasceu completamente terminado,
anda sozinho e sabe o que quer.
O homem quer ser peixe e pássaro
a serpente quisera ter asas,
o cachorro é um leão desorientado,
o engenheiro quer ser poeta,
a mosca estuda para andorinha,
o poeta trata de imitar a mosca,
mas o gato
quer ser só gato
e todo gato é gato
do bigode ao rabo,
do pressentimento à ratazana viva,
da noite até os seus olhos de ouro.
Não há unidade
como ele,
não tem
a lua nem a flor
tal contextura:
é uma coisa só
como o sol ou o topázio,
e a elástica linha em seu contorno
firme e sutil é como
a linha da proa
de uma nave.
Os seus olhos amarelos
deixaram uma só
ranhura
para jogara as moedas da noite
Oh pequeno
imperador sem orbe,
conquistador sem pátria
mínimo tigre de salão, nupcial
sultão do céu
das telhas eróticas,
o vento do amor
na intempérie
reclamas
quando passas
e pousas
quatro pés delicados
no solo,
cheirando,
desconfiando
de todo o terrestre,
porque tudo
é imundo
para o imaculado pé do gato.
Oh fera independente
da casa, arrogante
vestígio da noite,
preguiçoso, ginástico
e alheio,
profundíssimo gato,
polícia secreta
dos quartos,
insígnia
de um
desaparecido veludo,
certamente não há
enigma
na tua maneira,
talvez não sejas mistério,
todo o mundo sabe de ti e pertence
ao habitante menos misterioso,
talvez todos acreditem,
todos se acreditem donos,
proprietários, tios
de gatos, companheiros,
colegas,
discípulos ou amigos
do seu gato.
Eu não.
Eu não subscrevo.
Eu não conheço o gato.
Tudo sei, a vida e seu arquipélago,
o mar e a cidade incalculável,
a botânica,
o gineceu com os seus extravios,
o pôr e o menos da matemática,
os funis vulcânicos do mundo,
a casaca irreal do crocodilo,
a bondade ignorada do bombeiro,
o atavismo azul do sacerdote,
mas não posso decifrar um gato.
Minha razão resvalou na sua indiferença,
os seus olhos tem números de ouro.

Pablo Neruda

A Lucidez Perigosa

Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa atual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.

Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma,
e não me alcanço.
Além do que:
que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
- já me aconteceu antes.

Pois sei que
- em termos de nossa diária
e permanente acomodação
resignada à irrealidade -
essa clareza de realidade
é um risco.

Apagai, pois, minha flama, Deus,
porque ela não me serve
para viver os dias.
Ajudai-me a de novo consistir
dos modos possíveis.
Eu consisto,
eu consisto,
amém.


Clarice Lispector

"ENGANOS"

Que sabes tu de mim, amor que o és,

Se na longa jornada que fizemos

Nunca abriste as narinas ao perfume

Das palavras que te eram dirigidas?



Agora, recordas com ternura

As outras, deixadas solitárias

Na caixa do correio imaginária

Duma joaninha que inventei em ti.


[ "ENGANOS" - Aníbal Raposo ]

Quid Novi - Dez 24, 2003 5:23 pm

24/12/03

«Le plus profond, c’est la peau.»

«Mais pour procéder ici avec plus de franchise,
je ne dissimulerai point que je me persuade
qu’il n’y a rien autre chose par quoi nos sens
soient touchés, que cette seule superficie qui
est le terme des dimensions du corps qui
est senti ou aperçu par les sens.


Car c’est en la superficie seule
que se fait le contact, lequel est
si nécessaire pour le sentiment,
que j’estime que sans lui pas un
de nos sens pourrait être mû.»

Paul Valéry

(Méditations métaphysiques, Quatrièmes réponses, AT, IX, 192)

(VBM - 22.06.2003 11:04)

*****************
A pele é, de facto o invólucro, o limite externo do corpo, mas, não lhe é atribuído senão um sentido ( o tacto ), embora o gosto também com a pele esteja relacionado mas de uma forma interior à delimitação do corpo.

Entender poeticamente o tacto ( o tactear ), como acto de aproximação e resposta ao outro é realmente enobrecer um dos sentidos mais poliformados, que implica um contacto próximo ( o mais próximo ).

Mas, continua a ser uma visão poética, de poeta...

Dan
24.12.2003 03:50

Diário, fragmentos

00\00\00

Manhã, Limbo. Estou-me a deixar dormir e a sair mais tarde do que devia. A noite é sempre por demasiado curta para ter uma ideia concreta dela. Telefonei para a Sede para ver se ainda recupero o cachecol.
Tarde, Limbo. Amanhã é o dia que se sabe. Tivemos reunião. Serve, pelo menos até agora tem servido para isso, para me dar a ilusão semanal de que pertenço a esta equipa, algo de pouco concreto e que ainda não se definiu. Continuarei a tentar distrinçar qualquer coisa por entre os caminhos lodacentos e sem luz. Aqui cada dia é mesmo um dia. Aqui, realmente, o tempo tem um peso que só o tempo consegue ter. Continuar a focar. Estabelecer pequenos objectivos de curto prazo. Não me afastar da interacção. Mínima e aos bocados mas que mesmo assim existe. Evitar pensamentos paranóicos. Melhor: evitar a paranóia dos pensamentos. Facto: aqui pequenas coisas, tais como a atracção e a raiva, são completamente anuladas de tal maneira estão visíveis; mas sabemos, sim é um facto, que não nos podemos tocar. Facto: o dia de ontem não tem nada a ver com o dia de hoje que também não terá nada a ver com o de amanhã. Facto: aqui a hierarquia está muito bem camuflada mas existe. Facto: aqui eu sinto que sou o ponto intermédio. Facto: aqui a teoria dos grupos aplica-se completamente. Facto: as chefias são autónomas. Há fortes sentimentos de tentarem atingir o grupo de referência. Ex.: estagiária S. Facto: aqui todas as inseguranças estão, irremediavelmente, expostas. Facto: sou, pelo menos sinto-me, como uma espécie de cuco neste ninho. Estratégia: não ser por demasiado luz, não ser por demasiado sombra.
Noite, regressado. Telefonou-me a A. Qualquer coisa a propósito dos nossos projectos (supõe-se que existam) conjuntos. Supõe-se o quê?!? Andei, antes, às voltas. Passeei em frente ao S. C, junto ao lago, os putos brincavam com archotes como se fossem serpentinas. Cuspiam fogo. Passei pelo largo, o chão era só gasolina, olhando o fogo nos meus olhos como se não soubesse, invento pois nunca tive nenhuma dúvida, que era o fogo que me olhava para dentro, ainda o sinto no meu corpo a arder. Escrevo por demasiado com tinta, apenas devia escrever com sangue mas algo (o quê?!) escapou-me por entre os dedos. No fim da tarde de hoje vi os putos do bairro a atirarem uma mota roubada pela encosta abaixo. Viram-me e fugiram. Esperei que ela explodisse mas foi em vão. Atitude: dar o melhor (?!), castrar todos os pensamentos que derivam dos factos que me conduziram a esta realidade. (!!??!!)

Camus1

06.01.2003 00:20

É Natal...e depois?

22/12/03

Coração de cetim

«Voltei a pensar em ti. Um dia mais, um mês mais, um ano mais.

(..)
Sentada num banco do jardim olho a árvore. A mesma que, da janela do meu quarto, atravessa as cores e o vento e o cheiro das estações. Sei que os troncos nus e vazios da noite acordam vestidos de folhas, as folhas enfeitam o jardim de verde-novo, amarelecem e vão-se embora. Não tem importância nenhuma porque é sempre assim, sem novidade. Prefiro a ausência sem novidade à saudade; essa ausência rasgada pela memória. A ausência é uma saudade arrefecida, uma saudade que nos faz ter tempo para recuar e olhar para dentro. A saudade não, não sobra tempo para nada, porque todo o tempo do mundo pertence-lhe. Por isso gosto da ausência, tem a virtude de seleccionar o melhor, dar lustro às imagens que julgávamos desimportantes, e passar um mata-borrão nas más. Na ausência, resolvemo-nos por dentro e acertamos contas com a memória das coisas boas. Como a luz do teu olhar, sempre que alongávamos a vista pelas ondas altas de espuma a rebentarem do outro lado da estrada e te ouvia falar do juízo da vida. Ou quando nos sentávamos nos degraus de pedra a escutar o silêncio dos cedros que varriam as nuvens devagarinho para perto do mar. Ou simplesmente nada. No nada que nos separa agora cabe lá tudo o que quisermos. É melhor assim. É melhor que não voltes. Quando voltas, baralho a ausência com a saudade e confundo tudo. Não posso fazer travar a história dividida das nossas vidas, nem ampliá-la à minha maneira para que a lembres melhor. De que serve colar «cromos» de um metro e 80, cultos e tudo, na caderneta? Ceder à tentação de um «new-look» ultra-arrojado? As massagens de requinte asiático que nos devolvem o corpo dos 20 anos? Viver de sopa e ananás 15 dias seguidos? Chorar ao colo do psiquiatra ou fugir para as Maldivas?

Dizem que o tempo cura. É mentira. O tempo não cura nada, o tempo alivia a dor, consola-nos a alma, ensina-nos a tratar os afectos como pessoas crescidas. Uma espécie de anestesia fraquinha, que nos faz distrair de nós mesmos. Das nossas emoções e da força dos nossos sentidos. E depois vêm os entendidos, movidos pela urgência da cura. Trazem o diagnóstico numa mão e a receita na outra; chamam-lhe obsessão, fixação, paranóia, teimosia, e para que ela se instale há que declinar o verbo esquecer, em todos os tempos e modos, como se alguém assim estivesse realmente interessado em esquecer. Mas na verdade tornámo-nos «autistas do amor» e a convalescença é apenas o analgésico da recaída - quando nos julgamos sarados da ausência, ela ganha contornos antigos e de repente agiganta-se à nossa frente maior do que nunca antes. É este o sentido trágico da vida: a dose a mais de amor, aquela que mata porque ele não morre. Contas feitas, o que prevalece são paródias tristes de Carnaval… A pressão da água a explodir dentro dos balões, serpentinas partidas que não chegam a atravessar o dia, máscaras para esconder o cansaço, desfiles de ilusão pela ruas da cidade e os tais corações de cetim brilhante, como a minha avó dizia: «Brilham tanto que são falsos, filha, os verdadeiros vêem-se à distância».

Entre a verdade que dói um bocadinho e a imitação que distrai um bocadinho, «faz-se da vida uma aventura errante».

Na ausência tudo isto fica mais claro. Vou ver se não volto a pensar em ti.»

Maria João Lopo de Carvalho

'O nosso canto...'

Colocamos outro CD?

Fazes-me falta

«Comecei a desaparecer no dia em que os meus olhos se afundaram nos teus.(...)

Eu só queria ver de que era feito o teu amor por mim. Precisava de escangalhar o teu coração para o fazer encaixar no meu. E agora tenho que o desencaixar outra vez para sair deste limbo. Mas não sei como. Sem o teu coração não consigo amar (...).»

"Fazes-me Falta", Inês Pedrosa

Diz-me...

...como é que se ama no silêncio?...na ausência?...no esquecimento?

Criola

14.11.2003 12:28

Absurdo

«Através do "absurdo" o autor decifra o verdadeiro sentido da vida. Mas a vida, segundo Camus, será vivida melhor ainda se não tiver sentido.

Certa vez o próprio Camus contestou sua condição de escritor do absurdo ao perguntar: "Que fiz mais, entretanto, senão raciocinar sobre uma idéia que encontrei nas ruas de minha época? Que haja alimentado essa idéia (e que uma parte de mim a alimente sempre), com toda a minha geração, isso é evidente por si. Mantive simplesmente diante dela a distância necessária para dela tratar e decidir de sua lógica. Tudo o que pude escrever depois mostra-o suficientemente. Mas é cômodo explorar uma fórmula de preferência a um matiz. Escolheram a fórmula: eis-me absurdo como antes".

O absurdo em Camus é apenas o princípio do método, ponto de partida para narrar as desventuras do homem do século XX. »


"Não desejo mais ser feliz e sim apenas estar consciente." Camus

Adeus...

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.


Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos.
Era no tempo em que o teu corpo era um aquário.
Era no tempo em que os meus olhos
eram os tais peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade:
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus

****
Levar-te à boca,
beber a água
mais funda do teu ser -

se a luz é tanta,
como se pode morrer?



Eugénio de Andrade

As Amoras



O meu país sabe às amoras bravas

no verão.

Ninguém ignora que não é grande

nem inteligente, nem elegante o meu país,

mas tem esta voz doce

de quem acorda cedo para cantar nas silvas.

Raramente falei do meu país, talvez

nem goste dele, mas quando um amigo

me traz amoras bravas

os seus muros parecem-me brancos

reparo que também no meu país o céu é azul.



Eugénio de Andrade

Soneto da separação

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.



De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.



Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

Vinícius de Moraes

De repente...

De repente, uma casa no fundo do horizonte.
Olhei a pequena porta da alva casa que se me apresentava convidativa e com o coração já a sonhar momentos infinitos, desejei que elas, porta e casa, se encerrassem sobre todo o meu passado de modo a que me sentisse de novo virgem em tudo o que o amor prometia e a que ambos casa e eu, parecíamos não querer fugir.

Quid Novi

Dom Jan 19, 2003 1:56 pm



Apetecia-me ser Deus...

Apetecia-me ser Deus e recomeçar tudo de novo: acabar com as invejas, acabar com os cérebros dos politicamente correctos, acabar com os negros, acabar com os amarelos, acabar com os brancos, acabar com todas as cores e pintar tudo de novo com novas cores que cada um de nós inventasse mas que não existissem para os outros, acabar com os homens, acabar com as mulherers... e, no fim, inventar um arco-íris universal, deixar só o desejo de conhecer o outro, deixar unicamente o fogo do desejo do conhecimento...

Estupidamente, não sou Deus.... Estupidamente, verifico que a justiça é algo que se apreende e que não nasce conosco, apesar de todos nós, interiormente, sabermos bem demais quando somos injustos ou injustiçados. Um escravo pode sentir na pele o que é a injustiça, mas não sabe, obrigatoriamente, o que é a justiça... E eu, sei bem demais que não basta saber o que é a injustiça: a justiça é algo mais para além do fim da injustiça, é algo de mais puro que a ausência de injustiça.

E, estupidamente, verifico que Deus existe mesmo! Que existe para nos tornar a vida num inferno, que existe para nos segredar todas as noites que somos umas bestas, que existe para nos levar à desgraça de nos matarmos uns aos outros, que existe para dividir e não para unificar, que existe para que, ao nos matarmos uns aos outros, possamos dizer que matamos em nome de Deus...

Em nome de Deus !!!! Dominus vobisco!
Em nome de Deus as mais infernais atitudes se tomam.... Eu renego esse Deus... Eu renego todos os deuses que não satisfaçam a plenitude do Homem... Quando o Homem não for o exemplo e a medida de todas as coisas, não vale a pena a existência de um qualquer Deus... Sendo blasfemo aos olhos de qualquer palerma, digo: que se foda Deus, se foi para isto que nos inventou!


Quid Novi

Sáb Jan 25, 2003 5:32 pm

"E choro com o Mozart"

Estou a ouvir o "Requiem" de Mozart...

Ao mesmo tempo, leio "A Serpente" de Stig Dagerman...

Que paralelismo existirá no que oiço e no que leio?

Uma frase prende-me ao livro e não me deixa avançar, enquanto Mozart se aproxima do abismo...

"Extraordinária, a facilidade com que se mentia. (...)

E nãp passo daqui. Porque será?

O Mozart suga-me para a sua mentira? Ou srá antes Stig a tentar perder-me na sua verdade?

"Natuaralmente, aqui nada tem sentido em si mesmo, de outro modo jamais poderíamos perdoar a vida, mas tudo o que fizemos ou deixámos de fazer tem certamente uma grande importância em relação a nós próprios, ao nosso sentimento de culpa.", dirá Stig um pouco mais à frente (ou atás?)...

Mas isso que interessa, quando o que se lê mais não é de o que queremos ver repetido e confirmado perante os nossos olhos?

As re-leituras têm destas coisas...

As leituras, não: são um acto de adesão ou de não-adesão.

Por isso, rio-me.

Rio-me das leituras. Rio-me da subjectividade. Rio-me das adesões.

E choro com o Mozart.

Quid Novi

Sáb Jan 25, 2003 8:42 pm


Sinto-me envenenado...

Sinto-me envenenado... envenenado e a desfalecer sem encontrar remédio ou mesmo sedativo que me reavive ou mantenha na vontade de continuar no meu voo de sobrevivência.

Atravessei discretamente todo um Jurásico, convivi incógnito com seres cuja descrição levaria ao esgar trocista de qualquer ouvinte, recusei-me a partilhar da mesa farta com que a Mãe Natureza insistiu brindar esses gigantones que me cercam.

Preferi o bebericar dos pequenos prazeres da vida escolhendo, para isso, o tamanho ideal que evita a necessidade de grandes dispêndios de energia física e demasiado tempo na acumulação de bens de primeira necessidade.

Desenvolvi a visão de modo a espicaçar a curiosidade dos restantes sentidos e agucei os sentidos abdicando da realização efémera da grandeza das pequenas obras.
Rio-me das grandes trombas, das grandes caudas folclóricas e atraentes, das cores garridas e traiçoeiras, dos olhos falsos e hipnotizantes, das bocas que balbuciam lindas frases com o fito de nos engolir mais facilmente.

Tudo o que peço é uma flor. Uma pequena flor que me alimente de perfume estonteante e de néctar embriagador. Em troca, unicamente a minha promessa de tentar fazer florir mil outras flores/sentimentos, numa progressão geométrica de promessas/recusas/anuências que alimentam o amor.

Mas, hoje, vejo-me roubado e violentado, frágil por entre gigantones acéfalos, envenenado por uma série infindável de insectos fúteis e sem noção do tempo necessário à construção de uma vida.

Sobreviver é tão fácil!

Mas, o que eu quero é viver...e, por isso, me sinto a mudar de horizonte, a deixar de voar...e a recusar-me, no entanto, a rastejar.

Hoje, sinto-me envenenado. Mas evito-me o antídoto da sobrevivência e encaro sorridente o finito da vida. Mudo de penas e a pena que atrás de mim se arrasta depressa se dilúi mas não desaparece.

Eu quero-a, a pena, como lembrança de que uma vez voei...
Eu quero-a, a pena, como prova da perenidade da sobrevivência...
Eu quero-a, a pena, apenas porque estou vivo...

Quid Novi

Dom Jan 26, 2003 2:21 am

O amor não morre...

É como nuvem que se renova após a estia, é como flores que retornam com a primavera.

Ao assistirmos o agonizar de um “grande amor”, independente da razão que o provocou, somos inclinados a aceitar que nossa felicidade também feneceu com ele e que nada mais significa estar vivendo.

Tolos, nós somos! Tolos e imaturos, por pensarmos assim!

Não foi o amor quem morreu, o amor não morre.

Morreu uma razão de amar, apenas. Assim como morre um cravo, assim como uma nuvem condensada se transforma em chuva e se desfaz.

Porém, essa mesma chuva que caiu se transmudará em nuvem, um dia, e a queda de um cravo não elimina a raiz que o gerou.

Nosso coração é como um sol.

Com seu calor nós podemos secar as lágrimas, suavemente, em lenta evaporação, compondo uma nova nuvem em nosso céu interior.

Nosso coração é também o solo onde nossa sensibilidade aprofunda raízes em busca de seiva para novas flores.

Porque chorar, então? Não há razão!

Bom terreno, é o terreno úmido que facilita o trabalho do sol na formação de novas nuvens.

Sem chuvas não há colheitas... e a queda da flor é razão de força para o botão que irá desabrochar.

O amor não morre.

Crer na morte do amor é crer na morte da vida e a vida é imperecível.

O amor é o vôo de fênix no céu interior de cada um de nós

É renascença, é eternidade.

Lembre-se de seu primeiro amor.

Lembre-se de todos os amores que você viveu até que essas últimas lágrimas fluíssem de seus olhos.

Lembre-se da importância que tiveram em cada fase de sua vida.

Lembre-se, antes dele vieram muitos.

Lembre-se, que muitos virão depois... amanhã... hoje mesmo, talvez.


Mas jamais esqueça que você é o Amor!

((OCEANO))

08.05.1999
(((P.R.A.D.))

"Queria tanto"

"Já Sei Namorar"

"
Já sei namorar
Já sei beijar de língua
Agora só me resta sonhar
Já sei aonde ir
Já sei onde ficar
Agora só me falta sair

Refrão
Não tenho paciência p´ra televisão
Eu não sou audiência para solidão
Eu sou de ninguém
Eu sou de todo mundo e
Todo mundo me quer bem
Eu sou de ninguém
Eu sou de todo mundo e
Todo mundo é meu também

Já sei namorar
Já sei chutar a bola
Agora só me falta ganhar
Não tenho juízo
Se você quer apito em jogo
Eu quero é ser feliz

Refrão
Não tenho paciência p´ra televisão
Eu não sou audiência para solidão
Eu sou de ninguém
Eu sou de todo mundo e
Todo mundo me quer bem
Eu sou de ninguém
Eu sou de todo mundo e
Todo mundo é meu também

Tô te querendo
Como ninguém
To te querendo
Como Deus quiser
To te querendo
Como te quero
To te querendo
Como se quer"

TRIBALISTAS/Marisa Monte, Carlinhos Brown, Anarnaldo Antunes



(O Principezinho - Antoine de Saint-Exupéry)

(...)
Foi então que apareceu a raposa.
- Olá, bom dia! - disse a raposa.
- Olá, bom dia! - respondeu delicadamente o principezinho que se voltou mas não viu ninguém.
- Estou aqui - disse a voz - debaixo da macieira.
- Quem és tu? - perguntou o principezinho. - És bem bonita...
- Sou uma raposa - disse a raposa.
- Anda brincar comigo - pediu-lhe o principezinho. - Estou triste...
- Não posso ir brincar contigo - disse a raposa. - Não estou presa...
- AH! Então, desculpa! - disse o principezinho.
Mas pôs-se a pensar, a pensar, e acabou por perguntar:
- O que é que "estar preso" quer dizer?
- Vê-se logo que não és de cá - disse a raposa. - De que é que tu andas à procura?
- Ando à procura dos homens - disse o principezinho. - O que é que "estar preso" quer dizer?
- Os homens têm espingardas e passam o tempo a caçar - disse a raposa. - É uma grande maçada! E também fazem criação de galinhas! Aliás, na minha opinião, é a única coisa interessante que eles têm. Andas à procura de galinhas?
- Não - disse o principezinho. Ando à procura de amigos. O que é que "estar preso" quer dizer?
- É a única coisa que toda a gente se esqueceu - disse a raposa. - Quer dizer que se está ligado a alguém, que se criaram laços com alguém.
- Laços?
- Sim, laços - disse a raposa. - Ora vê: por enquanto, para mim, tu não és senão um rapazinho perfeitamente igual a outros cem mil rapazinhos. E eu não preciso de ti. E tu também não precisas de mim. Por enquanto, para ti, eu não sou senão uma raposa igual a outras cem mil raposas. Mas, se tu me prenderes a ti, passamos a precisar um do outro. Passas a ser único no mundo para mim. E, para ti, eu também passo a ser única no mundo...
- Parece-me que estou a começar a perceber - disse o principezinho. - Sabes, há uma certa flor...tenho a impressão que estou presa a ela...
- É bem possivel - disse a raposa. - Vê-se cada coisa cá na Terra...
- OH! Mas não é da Terra! - disse o principezinho.
A raposa pareceu ficar muito intrigada.
- Então, é noutro planeta?
- É.
- E nesse tal planeta há caçadores?
- Não.
- Começo a achar-lhe alguma graça...E galinhas?
- Não.
- Não há bela sem senão...- disse a raposa.
Mas a raposa voltou a insistir na sua ideia:
- Tenho uma vida terrivelmente monótona. Eu, caço galinhas e os homens, caçam-me a mim. As galinhas são todas iguais umas às outras e os homens são todos iguais uns aos outros. Por isso, às vezes, aborreço-me um bocado. Mas, se tu me prenderes a ti, a minha vida fica cheia de sol. Fico a conhecer uns passos diferentes de todos os outros passos. Os outros passos fazem-me fugir para debaixo da terra. Os teus hão-de chamar-me para fora da toca, como uma música. E depois, olha! Estás a ver, ali adiante, aqueles campos de trigo? Eu não como pão e, por isso, o trigo não me serve de nada. Os campos de trigo não me fazem lembrar de nada. E é uma triste coisa! Mas os teus cabelos são da cor do ouro. Então, quando eu estiver presa a ti, vai ser maravilhoso! Como o trigo é dourado, há-de fazer-me lembrar de ti. E hei-de gostar do barulho do vento a bater no trigo...
A raposa calou-se e ficou a olhar durante muito tempo para o principezinho.
- Por favor...Prende-me a ti! - acabou finalmente por dizer.
- Eu bem gostava - respondeu o principezinho - mas não tenho muito tempo. Tenho amigos para descobrir e uma data de coisas para conhecer...
- Só conhecemos as coisas que prendemos a nós - disse a raposa. - Os homens, agora, já não têm tempo para conhecer nada. Compram as coisas já feitas nos vendedores. Mas como não há vendedores de amigos, os homens já não têm amigos. Se queres um amigo, prende-me a ti!
- E o que é que é preciso fazer? - perguntou o principezinho.
- É preciso ter muita paciência. Primeiro, sentas-te um bocadinho afastado de mim, assim, em cima da relva. Eu olho para ti pelo canto do olho e tu não me dizes nada. A linguagem é uma fonte de mal entendidos. Mas todos os dias te podes sentar um bocadinho mais perto...
O principezinho voltou no dia seguinte.
- Era melhor teres vindo à mesma hora - disse a raposa. Se vieres, por exemplo, às quatro horas, às três, já eu começo a ser feliz. E quanto mais perto for da hora, mais feliz me sentirei. Às quatro em ponto já hei-de estar toda agitada e inquieta: é o preço da felicidade! Mas se chegares a uma hora qualquer, eu nunca saberei a que horas é que hei-de começar a arranjar o meu coração, a vesti-lo, a pô-lo bonito...São precisos rituais.
- O que é um ritual? - perguntou o principezinho.
- Também é uma coisa de que toda a gente se esqueceu - respondeu a raposa. - É o que faz com que um dia seja diferente dos outros dias e uma hora, diferente das outras horas. Os meus caçadores, por exemplo, têm um ritual, à quinta-feira, vão ao baile com as raparigas da aldeia. Assim, a quinta-feira é um dia maravilhoso. Eu posso ir passear para as vinhas. Se os caçadores fossem ao baile num dia qualquer, os dias eram todos iguais uns aos outros e eu nunca tinha férias.
Foi assim que o principezinho prendeu a raposa. E quando chegou a hora da despedida:
- Ai! - exclamou a raposa - ai que me vou pôr a chorar...
- A culpa é tua - disse o principezinho.- Eu bem não queria que te acontecesse mal nenhum, mas tu quiseste que eu te prendesse a mim...
- Pois quis - disse a raposa.
- Mas agora vais-te pôr a chorar! - disse o principezinho.
- Pois vou - disse a raposa.
- Então não ganhaste nada com isso!
- Ai isso é que ganhei! - disse a raposa. - Por causa da cor do trigo...
Depois acrescentou:
- Anda, vai ver outra vez as rosas. Vais perceber que a tua é única no mundo. Quando vieres ter comigo, dou-te um presente de despedida: conto-te um segredo.
O principezinho lá foi ver as rosas outra vez.
- Vocês não são nada parecidas com a minha rosa! Vocês ainda não são nada - disse-lhes ele. - Não há ninguém preso a vocês e vocês não estão presas a ninguém. Vocês são como a minha raposa era. Era uma raposa perfeitamente igual a outras cem mil raposas. Mas eu tornei-a minha amiga e, agora, ela é única no mundo.
E as rosas ficaram bastante incomodadas.
- Vocês são bonitas, mas vazias - ainda lhes disse o principezinho. - Não se pode morrer por vocês. Claro que, para um transeunte qualquer, a minha rosa é perfeitamente igual a vocês. Mas, sózinha, vale mais do que vocês todas juntas, porque foi a que eu reguei. Porque foi a ela que eu pus debaixo de uma redoma. Porque foi ela que eu abriguei com o biombo.. Porque foi a ela que eu matei as lagartas (menos duas ou três, por causa das borboletas). Porque foi a ela que eu vi queixar-se, gabar-se e até, às vezes, calar-se. Porque ela é a minha rosa.
E então voltou para o pé da raposa e disse:
- Adeus...
- Adeus - disse a raposa. Vou-te contar o tal segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos...
- O essencial é invisível para os olhos - repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.
- Foi o tempo que tu perdeste com a tua rosa que tornou a tua rosa tão importante.
- Foi o tempo que eu perdi com aminha rosa... - repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.
- Os homens já se esqueceram desta verdade - disse a raposa. - Mas tu não te deves esquecer dela. Ficas responsável para todo o sempre por aquilo que está preso a ti. Tu és responsável pela tua rosa...
- Sou responsável pela minha rosa... - repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.
(...)

21/12/03

NOVA ANTÍGONA

Nas páginas, Antígona:
"eu não fui feita para a guerra
mas para o amor",
dizia,
e eu me emocionava,
queria minha a sua palavra...
Mas, hoje, tendo tudo praticado
— o coração em leilão,
posto edital em toda praça e rua —
digo ao espelho das palavras:
"eu não fui feita para o amor,
mas para a sua imagem."
Eu queria falar suas palavras...
Mas,
"hoje, inexatas, estranhas são as datas"
e o coração, emparedado,
se alucina e se debate
contra as paredes, sangue e carne,
e a emoção suplica: me arrebate.



Mas, na cidade,
ninguém ouve o pregão.
Dos céus não chega salvação ou siso,
as divindades dormem o sono justo.
E eu, que fui feita para a imagem,
emparedada estou no coração.
Duas vertigens me tomam,
duas voragens - vorazes emoções:
de um lado, a paixão do pensamento,
do outro, o pensamento da paixão.



Podem
dois abismos
co-existir
no mesmo espaço,
em Vão?

Paula * 21/10/97



Tinhas razão,meu amor, não te amo!

Jorge Palma

Amora Morena


Amora Morena, o Douro só fala de ti, eu vou já
Lá fora cai chuva mas cá dentro faz mais sol que no Sará
Porque hoje eu vou voltar a ver-te e contar-te
Mais coisas sobre o meu mundo
Porque hoje eu vou poder sentir-te
Bem perto, bem fundo

Amora morena, é bom saber que existes
Tu sabes-me bem
Amora morena, para mim tu tens um gosto
Que mais ninguém tem

Agora é o Tejo a dizer-me "mais meio caminho e já está!"
E aposto que o dia amanhã vai ser o dia mais lindo que há
Que a bela aurora nos vai encontrar juntos
A salvo do burburinho
Então eu vou fechar os olhos
E cantar baixinho

Amora morena, é bom saber que existes
Tu sabes-me bem
Amora morena, para mim tu tens um gosto
Que mais ninguém tem

Amora menina, menina dançando com o vento suão
Dançando morena, amora batendo no meu coração
Enquanto o meu comboio vai deslizando
Nas linhas do meu destino
Tu vais chegando sempre mais
Mais do que eu imagino

Tu sabes-me bem
Tu tens um cheiro
Que mais ninguém tem

J.P

-suao- II

13,00

"Sente"

Através da muralha de espaço
que se ergue entre nós
... sente-me...

Ultrapassando o espaço do tempo
... sinto-te...

Sente o roçar do meu respirar
no teu rosto, no teu corpo

Sente o tremor dos meus lábios
no quente da tua boca

Sente a embriagues do meu corpo
no contacto de tuas mãos

Sente o desfalecimento
num grito de prazer

Sente

09.04.2002 23:17

-suao- I



e...
sente-me como te sinto...
presente na ausência forçada.
e...
sente o desejo de te ter, comigo...
sempre!

Olha, através de sombras inexistentes
Vê, para além da parede que se ergue na tua frente
olhando-te estou...

Seduzindo-te...

Porque te quero... te amo... te beijo...
num olhar!


09.04.2002 12:59

Urgentemente

Urgentemente

É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.
É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.

Eugénio de Andrade