29/01/04

"Como se nada houvesse mudado"

"Como se nada houvesse mudado.
O mesmo chão, flores
que hoje vejo
porque então era noite
e só tu brilhavas,
o cheiro dos pinhais e o teu
que permanecem na terra."

António Osório

Amok?

"(...)
O senhor sabe o que é o amok?
- Amok? Creio recordar-me...é uma espécie de embriaguez...entre os malaios.
- É mais do que embriaguez ...é loucura, uma espécie de raiva humana, literalmente falando...uma crise de monomania assassina e insensata, à qual uma intoxicação alcoólica não se pode comparar."

«Amok e Carta Duma Desconhecida, de Stefan Zweig»

Cinema II ("Everybody wants to be found")

«BIG IN JAPAN:

(...)É extremamente difícil saber o que sentem um pelo outro. Mais: seria pena que soubéssemos exactamente o que sentem um pelo outro. John chega a dizer-lhe, mas ao ouvido, e nós não ouvimos. O que importa é que são um homem e uma mulher, no que me parece ser o filme mais heterossexual dos últimos anos, o que melhor entende a ligação evidente, misteriosa, embaraçosa e surpreendente entre os dois sexos.(...)nunca a tristeza soube tão bem(...)
Posted by: Pedro Mexia / 12:29:40 AM»

Dicionário do Diabo

Alguém a abater nesta época de audiências...

"O autor, não se sabe porquê, não gosta de TV nem de programas de audiência e, por isso, arma-se em consciência da treta e escreve tangas que obrigam a consultar aquelas merdas dos livros que eles chamam antigos.
Logo a seguir, como a treta que escreve não parece ser compreensível,exige que não se possam publicar sem ser em episódios.
Está velho, teimoso e cada vez mais lúcido.
Alguém a abater nesta época de audiências..."

bahhhhhhhhhhhhhhhhhhhh
[acrescento da autora do Blog:isto é lá assinatura q se apresente!?!;-)]

28/01/04

Os meus mortos III

«O mau da Fita

Ontem "saltou-me a tampa" depois de horas infindas a ver a morte fulminante de um ser vivo.

Há três meses atrás, perdi o meu pai numa situação que identifico com aquela: o meu pai deve ter sorrido tal e qual Fehér (o meu pai sorria sempre!) e, a seguir, abandonou-me numa fracção de segundo...

Todos nós (minha Mãe, porque estava no andar de cima e poderia estar no de baixo; eu porque estava no Porto e poderia estar em Lisboa; os meus irmãos, porque estavam nos seus lares e poderiam, por um mero acaso, estar lá em casa de meus pais; os meus 5 filhos e 3 sobrinhos porque poderiam ter passado por lá 1 minuto antes; a restante família porque estava no aconchego do seu lar e poderia, por acaso, ter-lhes apetecido ir lá tomar o pequeno almoço; etc.) nos sentimos um pouco culpados pela morte de meu pai, sozinho na sala de sua casa.

Meu pai morreu sozinho e todos nós, cada um à sua maneira, nos culpamos dessa solidão.

Todavia, se viesse um(a) médico(a) dizer-nos que tudo poderia ter sido diferente se algum de nós ali estivesse presente, como encararíamos nós essa morte?

Acordaríamos de noite (e eu faço-o amiúde...) com o sentimento de culpa por aquilo que poderia ter sido uma hipótese?

É esse o prazer mórbido que um(a) médico(a) tem ou deve ter? O de afirmar que tudo poderia ser diferente "se"?


Fehér faleceu, fulminado e em directo para milhões de pessoas...

Meu pai faleceu, fulminado e no resguardo do seu próprio ser...

Aquela repetição ao infinito da imagem de Fehér foi a imagem da morte de meu pai e que não presenciei (e repetida ao infinito do infinito com que me deparo inúmeras vezes ao acordar sobressaltado).

Mas, ao ir contra a corrente dos abutres, rapidamente me apercebi de que estou longamente habituado a ser "o mau da fita".

Em 79, Fonseca e Costa rodava um filme que viria a ser o "Kilas, o Mau da Fita" e, de repente, faltou uma "pastilha", isto é, um microfone especial para captar sons.

A treta dos "Boletins de Importação" emperravam a vinda da Alemanha da tal "pastilha": eram os artigos pautais que não acertavam com o produto, era ali a Rua de S. Mamede que pedia mais facturas e mais justificações da importação, era, enfim, a eterna máquina burocrática que adiava por semanas a continuação do rodar do filme.

Nessa altura, como era casado com uma Assistente de Bordo da TAP e usufruía de viagens baratinhas, meu amigo João Carlos G. , assistente do Fonseca e Costa, telefonou-me e disse-me: "Eh pa´! Queres ir jantar a Frankfurt e trazer na candonga uma "pastilha" de que a gente precisa?"

Dois dias depois lá estava eu em Frankfurt, com a "pastilha" no bolso da bolsa e a jantar que nem um nababo.

Jantei, diverti-me à brava com uns casais alemães que falavam uma mistura de inglês e de espanholês, voltei num voo tardíssimo e passei na Portela pelo sítio de "Nada a declarar".

Uns dias depois vi e ouvi o Sérgio Godinho gravar a "Balada da Rita", vi a "pastilha" a funcionar com a Laidinha ( "petit non" da Adelaide) a ser violada aos gritinhos, e dei comigo a pensar: afinal, eu é que sou o mau da fita.

Conclusão: continuo sem nada a declarar e sem medo de declarar seja o que for.»


JR – 28.Jan.2004 • 02:11:13

26/01/04

Quem disse...?

Quem disse
que esta ausência te devia?

Quem pensou
que esta denúncia se enganava?

Que um dia era pior
que outro dia
Que à noite era melhor
porque sonhava?

Quem disse
que esta dor te pertencia?

Quem pensou que este amor
me perturbava?

Que o longe era mais perto
se fugias
Que o dentro era mais longe
porque estavas?

Quem disse
que este ardor te evidência?

Quem pensou que esta pena
me cansava?

Que calar era pior
se te despia
Que gritar era pior
se te largava?

Quem disse
que esta paixão me curaria?

Quem pensou
que esta loucura me passava?

Que deixar-te era paz
porque corria
Que querer-te era mau
porque te amava?

Quem disse
que esta paixão te espantaria?

Quem pensou
que esta saudade me rasgava?

Que tudo era diferente
se te via
Que o pior era saber
que aqui não estavas?

Quem disse
que esta ternura te devia?

Quem pensou que este saber
se enganava?

Neste langor crescente
que crescia
Neste entender de nós
que cintilava?

Maria Teresa Horta

25/01/04

"fandango"

«(...)
ofende-me que esperes



que o tempo alivie

(...)»


Patético Poeta Palhaço

24/01/04

Eugénio de Andrade

Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos.

Francisco, in Bibliotec@

Cinema...

...dei comigo dentro da sala do cinema sem saber bem o que ia ver...a escolha foi feita pelo actor principal Bill Murray (o do Caça Fantasmas)...em geral leio qualquer coisa sobre o realizador, sobre a "estória", sobres os actores...raramente as críticas antes do visionamento...mas desta vez decidi pela expressão de Bill Murray no cartaz de promoção...que raio terei "visto" para me decidir por uma expressão, um olhar!?...enfim, lá fui...como cheguei cedo ainda me deu para começar a ler as "gordas" do Público, logo na primeira página fixei o olhar no "Lost in Translation" ...já tinha lido qualquer coisa sobre o segundo filme da filha de Coppola - a tal q se estreou na realização com "As Virgens Suicidas" - esperando-se, deste segundo filme, a consagração...ou não!?!...o raio das luzes apagaram-se antes de chegar ao artigo...e quando o filme começa...não é que era mesmo o "Lost in Translation" !!!?!!!...com aquele título à portuguesa:"O Amor É Um Lugar Estranho"

...um filme a não perder!!!

"Suponho que gosto desses momentos que se podem apreciar enquanto os vivemos mesmo sabendo que não vão durar. Porque a sua memória fica connosco."

Sofia Coppola... epifanias silenciosas que nos podem perseguir uma vida inteira."

23/01/04

Os meus mortos II

Eu amo os MEUS mortos !!!
E os MEUS mortos são MEUS porque eu lhes consegui dizer : ADEUS !

O dizer "olá" a quem nasce e "adeus" a alguém que fisicamente deixou de existir é a base da aprendizagem da vida.

A vida tem duas componentes essenciais : o nascimento e a morte. Simples , né ?

O nascimento só é completado com o baptismo (leia-se "baptismo" como acto de recencear), isto é, com o NOMEAR, o dar um nome , dar uma individualidade/personalidade a um novo ser….A partir daí é todo um percurso em que a admissão da morte anula a lacuna na relação que temos com a vida …

O saber que a morte é o auge da vida , torna-nos tão humanos que tememos a morte pelo que não fizemos … pelo que fica de nós por partilhar… pelo que omitimos… É esse o medo que deveríamos ter: o medo de não termos sido capazes!

Todos os seres humanos e religiões têm os seus ritos e rituais para estas "apresentações" e "despedidas" ao e do mundo"…mas a cultura "moderna", esvaziada da ritualização, criou o vazio da compreensão destas fases da vida…
Transformar o físico morto em lembrança viva é o que conta. E, para isso, o dizer ADEUS, o olhar o morto, é importante para o recordar… Porque, afinal, recordar mais não é que o fazer passar de novo pelo coração… E só recorda quem pode dizer adeus…

Porque, meus amigos, "escapar" a um problema (o fingir que a morte não aconteceu…) é, para o senso comum, uma cura básica… No entanto, o resultado dessas "escapadelas" é o ficar cada vez mais ignorante… da vida… e da morte dos que amamos…

Eu quero recordar !!!

JR 03/jun/98
Mestre na Vida com Doutoramento Em Mortos Amados

Os meus mortos I

Pontos prévios :
- Dada a "mestria" dos pontos de vista que se seguem, desaconselha-se vivamente(!) a leitura desta mensagem aos demagogos da "aprendizagem democrática";
- A aprendizagem (domínio dos instrumentos básicos) nada tem de democrático, isto é, nada mais é que uma relação poder/submissão;
- Ao contrário da cultura, onde da discussão de vivências diversas nasce a dúvida e a ânsia da procura do saber, a aprendizagem não permite discussão : é um acto de aderência ou de rejeição;

Pretender o contrário, e disso fazer auto-de-fé, mais não seria que impôr à cultura (livre e anárquica…) o horizonte limitado da visão das modas democráticas dos mestres de ocasião…

JR 03/jun/98
Mestre na Vida com Doutouramento Em Mortos Amados

"Não se ama alguém que não ouve a mesma canção"


...a (des)propósito de Leonard Cohen

Isto está muito triste, não parece um fórum, parece antes uma antecâmara mortuária, porque há a câmara, propriamente dita, onde jaz o morto e os que lá estão não jazendo ainda, e a ante-câmara, onde não jaz ainda ninguém, mas onde todos estão próximos do jazer e falam das mais diversas coisas para irem ganhando coragem de irem ou não irem lá à câmara onde jaz o morto e os que lá estão não jazendo ainda.

Contudo, a antecâmara faz falta, tanta falta como a câmara, naqueles momentos...uma sem outra não fazem sentido, é preciso aquele espaço intermédio entre o local onde jaz o morto e os outros que não jazem ainda porque funciona assim como um purgatório mental para aqueles que tendo ou não tendo coragem de encarar o morto que jaz e os outros que não jazem na câmara, por ali se ficam, vagueando, na incerteza de irem ou não irem até à câmara onde jaz o morto e os outros que jazem um pouco para quem está do lado de cá, na antecâmara.

Depois de me lembrar de uma noite na Igreja dos Anjos em Lisboa.

Francisco, in Fórum Bibliotec@, 22.01.2004 23:49

20/01/04

é quando morrem...

é
quando morrem
os gritos
e o silêncio
arde
em chamas brandas
que o amor
aprende
a resistir.

é
na falta
do respirar
ofegante
que enaltece
as insatisfações
que o amor
aprende
a resistir

é
nos caminhos
que trilhamos
quando o corpo
nos abandona
que o amor
aprende
a resistir

é
na dúvida
que existe
nos olhos
de quem ama
que o amor
aprende
a resistir

é
nas lágrimas
que caiem
e nos queimam
a língua
que o amor
aprende
a resistir

Ficcoes

18/01/04

Dúvidas !

Não sei...


Não sei porque que te quero e te odeio
Não sei porque desejo e desespero
Não sei porque desisto e volto sempre
Não sei porque anseio o que abomino.
E tu sabes?!

Sabes porque perdi o meu sorriso?
Sabes porque entristeceram os meus olhos?
Sabes porque o sol e a lua se trocaram?
Sabes porque a noite é sempre longa?

Não sabes?!

Não sabes porque te quero?
Não sabes porque te odeio?
Não sabes porque te desejo?
Não sabes porque choro?

TU não sabes nada... nada...

Dubliner

16/01/04

merda!... que raio andamos cá a fazer!????

...não entendemos o ser humano...não entendemos uma flor...não entendemos a vida...não entendemos a morte...não entemos o amor...não entendemos o ódio...não entendemos a paz...não entendemos a guerra...tu não me entendes...eu não te entendo...merda!... que raio andamos cá a fazer!????

Chico Buarque de Holanda

Desalento


Sim, vai e diz
Diz assim
Que eu chorei
Que eu morri
De arrependimento
Que o meu desalento
Já não tem mais fim
Vai e diz
Diz assim
Como sou
Infeliz
No meu descaminho
Diz que estou sozinho
E sem saber de mim
Diz que eu estive por pouco
Diz a ela que estou louco
Pra perdoar
Que seja lá como for
Por amor
Por favor
É pra ela voltar

Sim, vai e diz
Diz assim
Que eu rodei
Que eu bebi
Que eu caí
Que eu não sei
Que eu só sei
Que cansei, enfim
Dos meus desencontros
Corre e diz a ela
Que eu entrego os pontos

15/01/04

OSSUÁRIO EM CHAMAS

(Aos desesperados)

1

Concebam o meu precário equilíbrio sobre o fio duma navalha psíquica
sofrendo o aparafusamento de uma certa verdade na carne.

Contemplem o sustentáculo do meu espírito
esta mão trémula terminando o braço inseguro da vida.

Numa objectiva suspensão mas bizarra inverificabilidade
ponto intocável e incongruente que nem o dedo obsessivamente inquiridor do meu pensamento roça
movo-me ainda
mas a sucessão dos gestos surge falsa.

Fundei-me sobre bases que se negam como tais
que se impõem como desmonoramentos :
- sou a palpável ruína de algo que nunca foi.

Atingi obrigatoriamente o menor nível possível de vitalidade em mim
a estiagem do fluxo sensível
o zero absoluto do ser para neste entorpecimento não me assistir pensando
vivo numa vacação indeterminada do Eu.

Acedo pela brecha lúcida do terror
ao lúrido pélago a que devo constantemente arrancar-me
sob pena de tornar-me inacessível a mim mesmo.

As desinências ofegantes do meu organismo pensante
conservam-se dolorosamente equidistantes
- numa acutilante hesitação -
entre possíveis conexões permitindo incutir-me novos impulsos libertadores
e a cessação definitiva de toda a actividade mental
um derradeiro renunciamento à sensibilidade e à criação
um enraizamento brutal na bárbara atecnia.

(Desesperadamente consciente sinto algo abandonar-me
ininteligível e inominável afasta-se rastejando
do meu ser vomitado em coagulação lenta
no sáfaro solo do abandono onde aguarda
uma hipótese venturosa e irremitente.

Partícula esquecida do corpo que compunha
inane de emoções
de toda a possibilidade emotiva
raro exemplar de um utópico vazio
mantenho-me nesta inexistência
como um desafio ao entendimento).

A ubiquidade das trevas consolida-se
trevas de fantástica espessura
trevas tangíveis onde nenhum rasgo aparece
onde os golpes se fundem na massa obscura

sombras inumeráveis envolvendo
a aterradora corporalização de medos em superabundância desumana.

Desenvolvem-se excrecências so espírito
pontos de estrema clareza onde a realidade esvanece
cedendo às línguas geladas do indizível
dardejantes sob sóis variadíssimos de dor

matrizes desesperativas irradiando a fosforescência doentia
onde as minhas ínfimas radículas
asfixiam dispersas numa prospecção absurda

portanto
pende ainda algo do pensamento
mas como uma escapatória impensável
agarrando e puxando-meaté à boca espumante
onde o mundo gesticula indiferente aos meus derramamentos fatais.

Um frio esparso em agulhas obnubilantes penetra-me até à traspassação da alma
- como uma dor mas divisível
em pontos de fulgurância extrema –
chuva meteórica e glacial lassando e aplacando
originando uma hipnose dolorosa
estacando repentinamente o sangue
mergulhando as funções vitais numa estagnação dubitativa :
- sou um pântano humanado jazendo nas trevas insones.

Um horror inusitado insinua-se nos poros
paulatinamente um pavor pontua
monocórdico
a retensão sonora dos nervos.

Pelo corpo introrso propagam-se absurdos luminosos
reverberações fantasmagóricas de lágrimas inquinadas.

silente na matéria cansada e semelhante ao gás dos suicídios
com abafante subtileza
o desespero acelera a dissolução dos músculos
o quebrantamento da rigidez nervosa
o esfibramento da tessitura fundamental.

Sobre as pálpebras exaustas o crepúsculo goteja
distende-se a inconsolável sombra do revólver expectante.

Será coercível tão grande dor na exiguidade do coração humano?

A luz insiste ainda e fere
incita ao recolhimento sufocativo
à completa alienação.

Sou um peso projectável
um peso imagético
um peso de chagas remémoras decussado
sobre a mórbida perenidade
da imarcescível angústia :

- órgão ignorado pelos anatomistas
pulsando no abdómen real.


2

Num dédalo interminável de ausências rolam informes
detritos intelectuais imaleáveis no espírito.

À margem da minha interior devastação abrem-se calhas ilusórias
mas são simples cordas estranguladoras de esperanças
cabos incendiados contraídos em anéis poderosos
halos constritores duma angústia comburente.

Existe uma morte em mim
um encadeamento de necroses irreversíveis
um nó cego de fibras elementares
uma embolia da circulação pensante.

Possuo um âmago convuluto em insuperáveis antinomias
um centro trilhado pelo mecanismo consciente do terror
uma trituração mortífera de entrosas inalteráveis inervando a irremediável liquefação dos elementos meditativos
a deliquescência da armadura espiritual.

Abate-se uma atmosfera de sono
pressente-se a ténue corrente duma tensão ilogicamente calma.

A consciência transborda num escorrimento filiforme
volatiliza-se sobre a inextinguível angústia num vapor de medos onde abismos suspensos vacilam
onde o pensamento morto cai balançando-me no absurdo da enciclia criada.

O torpor craqueja
a sua cúpula omissória evola-se
a fricção estridente das placas cranianas desperta os sentidos estupefeitos
o pensamento ressuscitado pelos abomináveis ritos do espírito
expia uma nova dor no bolor das coisas impossíveis

- nada circula no fóssil que sou -

dá-se uma lentíssima metamorfose
uma adaptação gradual ao estado reptiliano
um abaixamento à certa superioridade do rastejar.

(A mineralização mental faz progressivamente esquecer
as condutas oxidadas de indiferença
por onde outrora fluiu a estuosa emoção).

o corpo irreconhecível espirala-se num delírio de carne esmagada
cruelmente compresso ressua sangue ruim onde gravitam
incandescentes de dor
coágulos duma enfermidade intelectual
cansaços cristalizados
ansiedades insanáveis

amalgamando-se formam o manto plúmbeo que envolve e lança o cérebro num estado inanalisável
cérebro esparso em ruínas de uma guerra intrínseca
onde a razão rarescente acaba de usar-se
enredada num cruzamento frenético de espadas
na implexa inenarrável tundra ferida do sangue.

A total ausência do ser em si ilumina-se
o pensamento injecta-se e ascende a claridade aflitiva
atinge o pináculo desesperado dos tormentos límpidos
dos ofuscantes calvários
submete-se à vertigem do ilimitado informulável
ao ponto crítico da náusea
ao vómito mental na estonteante
e clínica brancura da pura inanidade.


3

Abstracções fragmentadas de dor emassam-se em dor concreta
revolucinam custosamente o eixo corroído da consciência.

Exaurido dilapido-me em arestas rompendo
o alinhavo ténue que mantinha
numa frágil harmonia o meu pensamento comigo.

A inequívoca falha do meu substrato sensível
prolonga-se sob a acção da intranquilidade depascente
eminentemente claudicante mantenho-me na opacidade ondulatória da letargia
intumescido banho na minha própria ilusão.

O intelecto crispado fissura-se
germina um rudimentar conglumerado de ideias
- algo elementar e definitivo perde-se
por sudação da base do raciocínio poroso –

convulsões regressivas traem a intoxicação do processo intelectual
dá-se a difracção do feixe pensante

a arborescência mental definha
desenraizada.

Eis-me confinado à virtualidade
à transparência hialina :

- cingido à sombra de uma ilusão de ser
sou na minha vacuidade um trono assente
sobre pilares enormes de nada.


4

A luz apocalíptica permitindo a articulação do pensamento
transubstancia-se numa adunca palpabilidade
numa garra esplêndida operando
incisões pitónicas na película mental
- num plano recuado julgado intangível -

de onde emerge em plena afasia plantado
o totem oscilante da razão

num momento absoluto de vitrificação da língua
de sideração da palavra
de fragmentação do sentido.


5

A dor desponta no espírito frondescente.

Dor derrisória ainda
paradigma duma dor maior
insistente espinho testando
a membrana neurasténica da consciência.

(O incessante regresso ao meridiano pungente da orbe cogitativa
a sua eventração e eversão
a dequitação do pensamento
numa sequência abortada).

Dor autogénea
como se dentro de mim a minha larva
se devorasse desconhecendo-se.

6

Epílogo de transição

A faculdade retentriz elimina-se numa tosse convulsa do pensado
numa expectoração luctíssona de glomérulos infectados de memória.

Após detalhada dissecação
exaustiva autópsia do espírito comocionado
epulão do seu próprio sacrifício
aceitar-se vápida oferenda
renunciar-se
esquecer-se nas volutas duma repetida imolação

colher na dolorosa deiscência o seu maduro ciciar
poder dizer :
- não pertenço nem possuo
nunca conhecerei
a intolerável vergonha de morrer por defeito.

DeusExMachina

14/01/04

Ah meu amor que desperdício...II

Ah meu amor que desperdício...

Beijo

Pedro Abrunhosa


Não posso deixar que te leve
O castigo da ausência,
Vou ficar a esperar
E vais ver-me lutar
Para que esse mar não nos vença.
Não posso pensar que esta noite
Adormeço sozinho,
Vou ficar a escrever,
E talvez vá vencer
O teu longo caminho.

Quero que saibas
Que sem ti não há lua,
Nem as árvores crescem,
Ou as mãos amanhecem
Entre as sombras da rua.

Leva os meus braços,
Esconde-te em mim,
Que a dor do silêncio X 2
Contigo eu venço
Num beijo assim.

Não posso deixar de sentir-te
Na memória das mãos,
Vou ficar a despir-te,
E talvez ouça rir-te
Nas paredes, no chão.
Não posso mentir que as lágrimas
São saudades do beijo,
Vou ficar mais despido
Que um corpo vencido,
Perdido em desejo.

Quero que saibas
Que sem ti não há lua,
Nem as árvores crescem,
Ou as mãos amanhecem
Entre as sombras da rua.

Agarra-Me Esta Noite

Pedro Abrunhosa

"Onde estiveres, eu estou
Onde tu fores, eu vou
Se tu quiseres assim
Meu corpo é o teu mundo
E um beijo um segundo
És parte de mim

Para onde olhares, eu corro
Se me faltares, eu morro
Quando vieres, distante
Soltam-se amarras
E tocam guitarras
Por ti, como dantes

Agarra-me esta noite
Sente o tempo que eu perdi (mmmmm)
Agarra-me esta noite
Que amanhã não estou aqui

Agarra-me esta noite
Sente o tempo que eu perdi (mmmmm)
Agarra-me esta noite
Que amanhã não estou aqui"

Se eu fosse um dia o teu olhar

Frio, o mar
Por entre o corpo
Fraco de lutar.
Quente, O chão
Onde te estendo
E te levo a razão.
Longa a noite
E só o sol
Quebra o silêncio,
Madrugada de cristal.
Leve, lento, nu, fiel
E este vento
Que te navega na pele.
Pede-me a paz
Dou-te o mundo
Louco, livre assim sou eu
(Um pouco mais...)
Solta-te a voz lá do fundo,
Grita, mostra-me a cor do céu.

Se eu fosse um dia o teu olhar,
E tu as minhas mãos também,
Se eu fosse um dia o respirar
E tu perfume de ninguém.
Se eu fosse um dia o teu olhar,
E tu as minhas mãos também,
Se eu fosse um dia o respirar
E tu perfume de ninguém.

Sangue, Ardente,
Fermenta e torna aos
Dedos de papel.
Luz, Dormente,
Suavemente pinta o teu rosto a
pincel.
Largo a espera,
E sigo o sul,
Perco a quimera
Meu anjo azul.
Fica, forte, sê amada,
Quero que saibas
Que ainda não te disse nada.
Pede-me a paz
Dou-te o mundo
Louco, livre assim sou eu
(Um pouco mais...)
Solta-te a voz lá do fundo,
Grita, mostra-me a cor do céu.

Se eu fosse um dia o teu olhar,
E tu as minhas mãos também,
Se eu fosse um dia o respirar
E tu perfume de ninguém.
Se eu fosse um dia o teu olhar,
E tu as minhas mãos também,
Se eu fosse um dia o respirar
E tu perfume de ninguém.

Pedro Abrunhosa

Momento uma espécie de céu

(Pedro Abrunhosa / Pedro Abrunhosa)

Uma espécie de céu,
Um pedaço de mar,
Uma mão que doeu,
Um dia devagar.
Um Domingo perfeito,
Uma toalha no chão,
Um caminho cansado,
Um traço de avião.
Uma sombra sozinha,
Uma luz inquieta,
Um desvio na rua,
Uma voz de poeta.

Uma garrafa vazia,
Um cinzeiro apagado,
Um Hotel numa esquina,
Um sono acordado.
Um secreto adeus,
Um café a fechar,
Um aviso na porta,
Um bilhete no ar.

Uma praça aberta,
Uma rua perdida,
Uma noite encantada
Para o resto da vida.

Pedes-me o momento,
Agarras as palavras,
Escondes-te no tempo
Porque o tempo tem asas.
Levas a cidade
Solta no cabelo,
Perdes-te comigo
Porque o mundo é um momento.

Uma estrada infinita,
Um anúncio discreto,
Uma curva fechada,
Um poema deserto.
Uma cidade distante,
Um vestido molhado,
Uma chuva divina,
Um desejo apertado.

Uma noite esquecida,
Uma praia qualquer,
Um suspiro escondido
Numa pele de mulher.

Um encontro em segredo,
Uma duna ancorada,
Dois corpos despidos,
Abraçados no nada.
Uma estrela cadente,
Um olhar que se afasta,
Um choro escondido
Quando um beijo não basta.

Um semáforo aberto,
Um adeus para sempre,
Uma ferida que dói,
Não por fora, por dentro.

Pedes-me o momento,
Agarras as palavras,
Escondes-te no tempo
Porque o tempo tem asas.
Levas a cidade
Solta no cabelo,
Perdes-te comigo
Porque o mundo é um momento.

13/01/04

Eu não sei quem te perdeu

(Pedro Abrunhosa / Pedro Abrunhosa)

Quando veio,
Mostrou-me as mãos vazias,
As mãos como os meus dias,
Tão leves e banais.
E pediu-me
Que lhe levasse o medo,
Eu disse-lhe um segredo:
"Não partas nunca mais".

E dançou,
Rodou no chão molhado,
Num beijo apertado
De barco contra o cais.

E uma asa voa
A cada beijo teu,
Esta noite
Sou dono do céu,
E eu não sei quem te perdeu.

Abraçou-me
Como se abraça o tempo,
A vida num momento
Em gestos nunca iguais.
E parou,
Cantou contra o meu peito,
Num beijo imperfeito
Roubado nos umbrais.

E partiu,
Sem me dizer o nome,
Levando-me o perfume
De tantas noites mais.

E uma asa voa
A cada beijo teu,
Esta noite
Sou dono do céu,
E eu não sei quem te perdeu.


12/01/04

A urdidura da aranha...

A "preocupação com os sentimentos alheios" é uma teia que os (candidatos a) suicidas gostam de urdir...a urdidura da aranha é essa mesmo: tecer a teia q nos prende... e "ela" sabe disso!...pobres dos que caem nesta teia e dela não conseguem, nunca mais, libertar-se...o destino é passar de enleados na teia a...suicidas, também! Enviado por amok em janeiro 7, 2004 12:44 AM

Ando pr'aqui perdida...

11/01/04

09/01/04

...num blog, algures por ai...

...que se vier a mostrar valer a pena eu linko...;-)

Não mais

"cada grito que dás, dilacera-me
dizem que nada nos enlaça
mas é mentira
sorrio, rio
faço hilariante cara de palhaço
mas sentes
na ponta dos meus dedos
no fundo dos meus olhos
na minha aura que te toca
quão negro estou por dentro
não é possível enganar-te
fizeste tu a mudança
porque eu não mudo
cada grito que dás, dilacera-me
não mais te faço gritar minha querida"

(presumo que talvez fosse assim, o grafismo...talvez...)