«(...)Vejamos agora a relação amorosa que se estabelece na amizade. Esta baseia-se no princípio do prazer. Não se constitui a quente, no processo de estado nascente. Não há fusão inicial, ardente, arriscada, apaixonada. A amizade constitui-se lentamente, encontro após encontro, no qual cada um lança uma ponte entre o anterior e o seguinte. É o precipitado histórico de relações bem sucedidas, gratificantes, animadoras, divertidas. Também os dois amigos tendem a uma fusão parcial, também eles tendem a elaborar uma visão do mundo comum. Também eles constituem um nós. Mas sem a violenta e radical destruição do mundo anterior. Se entre eles existirem desde o princípio divergências nas suas crenças políticas e religiosas, diversidade de gostos, de hábitos, de opinião, não há um processo de fusão em que são dissolvidas como num crisol. Permanecem e tornam a relação agradável. Os amigos mantêm-se unidos porque descobrem, pouco a pouco, que têm afinidades electivas, porque fazem um esforço voluntário de ajustamento recíproco, procurando o que os une e não o que os separa. Mas se aparecerem divergências ideológicas, contrastes de interesse, ou se alguém se comportar de forma eticamente incorrecta, a relação amigável quebra-se e, normalmente, a ruptura é irremediável. O amigo pode perdoar a mentira, a traição, mas as coisas não voltam a ser como antes. A amizade é a forma ética do eros. Também o sentimento amoroso da amizade depende da construção comum de um mundo e da sua identidade. Intensifica-se nos momentos de mudança, de crise, quando nos abrimos ao amigo, lhe pedimos apoio e conselho. Intensifica-se com a troca de experiências, enfrentando juntos os problemas, combatendo lado a lado contra um adversário, uma ameaça, como dois caçadores, como dois guerreiros.»
O QUE É O AMOR?, in Francesco ALBERONI - Amo-te. 9ª ed. Chiado : Bertrand, 2003, p. 277-281
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(Magritte)/"Quando abarcarmos esses mundos e o conhecimento e o prazer que encerram, estaremos finalmente fartos e satisfeitos?",WW
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