Remexendo no baú das memórias...II
E porque não...
'Põe-te a jeito, querido, agora é a tua vez!
O meu próprio prazer era secundário. O importante era ter a certeza de ser desejada, "digna" de ser seduzida.
Essa atitude de rapariguinha insegura é algo de que ainda tenho vergonha hoje - e de que tive vergonha então - mas a verdade é que, nessa altura, a minha prioridade era simplesmente ser a "escolhida", não alargar o meu universo de experiências sexuais.
Hoje, se pudesse ter uma conversa com a rapariga que fui nesse tempo, dir-lhe-ia: "Não sejas parva. Com dezasseis aninhos, de top e mini-saia, não há-de faltar quem se interesse por ti!"
Aquilo que me livrou do beco sem saída dos mitos românticos, e de passar a minha vida num mundo cor-de-rosa como o dos livros de Danielle Steel, foi o facto de ter feito amor com mulheres, quando estava a entrar na fase adulta da minha sexualidade. E ao ter relações sexuais com outra mulher, já não bastava saber se era ou não desejada mas também se era ou não capaz de lhe dar prazer.
Para além de questões - digamos...- "técnicas", a dúvida essencial consistia em saber se tinha ou não a confiança e a intuição necessárias para levar uma mulher a abandonar-se a mim até eu a deixar louca de prazer. É algo que exige a certeza de que se é capaz. Que só é possível quando se quer realmente estar dentro da nossa amante. Não basta ficar ali estendida numa pose atraente, é preciso uma atitude de "mulher de acção" e convém não esquecer que nos anos setenta ainda não havia Xena. Foi preciso desenvolver aquilo que eu chamo de "auto-persepção como mulher eréctil" e no meu imaginário erótico, como não podia deixar de ser, isso tinha a ver com a ideia de "quanto maior, melhor...".
Passei de assiduamente bissexual, durante os anos setenta, para quase 100% lésbica, durante a década seguinte. E quando finalmente voltei a envolver-me com um homem, tive de me confrontar com um novo problema.
Sentia-me esquisita por nunca ser a minha vez de penetrar o meu amante, de o sentir abandonar-se nos meus braços, comigo bem fundo dentro dele. Claro que podia engoli-lo com a minha boca, o que também é uma forma de submissão partilhada, mas não é a mesma coisa que estar "lá dentro".
A primeira vez que perguntei a um homem se o podia penetrar, resultou num perentório "não". Depois, tive ocasião de encontrar alguns homens a quem a ideia estava longe de desagradar e que até me ensinaram a encontrar, dentro deles, a sua próstata (que, ao toque, dá a sensação de ser como a ponta de um nariz). Mas, depois de se virem - e de gemerem de prazer até chegarem a esse momento - a sua vontade de falar evaporava-se completamente. É como se se sentissem envergonhados por eu saber das suas facetas mais secretas. E era fácil de perceber que insistir em abordar o assunto só tornaria o tabu ainda mais absoluto.
Já imaginaram se as mulheres ficassem assim depois da cópula? Bem sei que neste caso se trata do anûs e não da vagina mas as sensações que decorrem da penetração têm algumas semelhanças incontornáveis - há sempre alguém que se entrega, que se abre para deixar entrar em si algo que é parte de outro corpo. E isso significa muito, quer se trate deste ou daquele orifício!
Um dos homens com quem ocasionalmente ia para a cama costumava queixar-se por eu algumas vezes ter renitência em ser penetrada. Tive de lhe explicar que nem sempre me apetecia sentir alguém dentro de mim e que, quando não estava para aí virada, o que devia ser um abraço profundo, passava a ser sentido como uma invasão.
Mas a vida dá muitas voltas. Encontrei-o há uns meses e descobri que ele tinha uma nova namorada a quem tinha iniciado no uso do dildos. Mais concretamente daqueles que se prendem ao corpo com correias. E para o penetrar a ele. Ela revelou-se insaciável e apesar de ele retirar um grande prazer sexual dessas práticas, por outro lado, também estava a começar a sentir-se ultrapassado pelos acontecimentos.. Ao ponto de, um dia, me ter segredado:"Parece impossível, mas, às vezes, até chego a esconder-me. Só agora é que percebi o que tu querias dizer. Não fazia ideia do que é sentir que estamos para ali para abrir as pernas sempre que isso apetece ao outro."
Infelizmente, separaram-se pouco depois, senão podia tê-los apresentado a uns velhos amigos meus que acabaram de realizar o primeiro vídeo sobre esse tipo de actividade sexual:"Bend Over Boyfriend"(Namorado pronto a vergar-se). Nan Kinney, o produtor, refere-se-lhe mais abreviadamente por B.O.B.,e o vídeo foi concebido para vários tipos de usos: tem partes cuja prioridade é a educação sexual, outras mais género show erótico.
Ao princípio, Shar Rednour, a realizadora, teve dúvidas sobre a sua capacidade para resolver os problemas postos por este projecto, porque há muito para ensinar sobre sexo anal, mesmo antes de entrar nas questões que decorrem da inversão da dinâmica homem/mulher e das técnicas específicas que isso implica, nomeadamente as relativas ao uso de dildos.
Felizmente, teve como actores amantes cúmplices e generosos, que conseguiram arranjar as maneiras certas de demonstrar como o sexo anal não tem que ser necessariamente doloroso (tal como as torradas não têm que ser obrigatoriamente queimadas) e também de falar sobre as razões que levam algumas pessoas a fantasiar sobre esta inversão dos papéis habituais de cada um dos sexos.
Carol Queen, uma das actrizes principais, refere algumas das possíveis razões que levam algumas mulheres a desejar penetrar os seus amantes: a vontade de conhecer a sansação de "estar ao volante", ou de explorar mais profundamente o seu lado masculino, ou, pura e simplesmente, por mera curiosidade.
No meu caso, da primeira vez que prendi um dildo ao meu corpo, isso não me fez sentir como um homem. Antes algo como um "unicórnio genital". Senti-me tão feminina como em qualquer outra altura e notei, com prazer, que conforme aperfeiçoava o meu ritmo, a base do dildo ia roçando o meu clítoris, e era daí, desse sítio indiscutivelmente feminino, que tinha a origem da minha crescente excitação.
Shar observou que, embora o vídeo se dirija a casais heterossexuais, preferiu escolher lésbicas para desempenhar os papéis porque "Quer se queira, quer não, as probabilidades de uma fufa saber foder, são maiores." Apesar da crueza da afirmação, não posso deixar de concordar. Quando uma mulher é lésbica tem que saber tomar a iniciativa e tem de se sentir tão confortável a acariciar a sua amante como a ser acariciada por ela. Mas, mesmo considerando que as lésbicas estão longe de corresponder todas a este modelo igualitário, a verdade é que até as ultra-femininas, de saltos altos e sofisticadamente maquilhadas, mesmo essas são capazes de usar habilmente as mãos.
Gostaria que existissem mais mulheres a explorar o prazer de possuir os seus maridos ou namorados, não só porque é muito provável que eles gostem ou porque é giro brincar com mais um adereço erótico, mas sobretudo porque é emocionalmente muito gratificante sentir que somos nós que temos tudo nas mãos, que estamos por cima e a entrar "lá dentro". Quando um homem aceita ser vulnerável dessa maneira, não está apenas a desfrutar do prazer físico da estimulação da sua próstata, está também a entregar-se à sua amante, duma maneira tão intensa e absoluta que torna esse acto - só lhe posso chamar assim - romântico. Estranhamente, radicalmente, paradoxalmente romântico.
E portanto, se Danielle Steel precisar de sugestões para tornar as relações íntimas do seu próximo romance dum cor-de-rosa ainda mais vivo, não tem que procurar muito. Basta-lhe pegar no telefone para encomendar B.O.B.'
[De SUSIE BRIGHT in Pública /suplemento do Público de 26.07.98]
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(Magritte)/"Quando abarcarmos esses mundos e o conhecimento e o prazer que encerram, estaremos finalmente fartos e satisfeitos?",WW
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