27/12/03

A Antígona de Sófocles e Anouilh

A Antígona situa-se a meio da carreira literária de Sófocles e é um dos dramas clássicos mais admirados pelo público inspirando um extenso número de reescritas em géneros, línguas e meios muito diversos. Deste modo, influenciado por Sófocles, Anouilh* traz a lume, em 1944, uma recriação da peça Antígona.

Para Anouilh, a figura de Antígona é de desprendimento do mundo, um mundo corrupto, em decadência, por isso Antígona sabe que a morte é a atitude mais digna, porque só assim poderá cumprir o seu dever de dar sepultura ao irmão e também porque deixará de viver num mundo impuro, onde entram em conflito a lei dos deuses com as leis da Terra.

A obra de Anouilh reflecte uma miscelânea da metalinguagem com a vida, um teatro sobre o teatro da vida, sobre os papéis sociais que os “actores” são obrigados, pelo guião social, a desempenhar. Parece estarmos perante uma nova concepção do destino onde este já não é determinado pelas Parcas, mas sim pelo carácter, pelas opções, pela condição social e também pelas funções exercidas na sociedade. Esta concepção do destino encontra eco no nosso tempo em que o homem rejeita as ordens superiores, no entanto, continua pleno de reminiscências das épocas em que se acreditava nos deuses. É neste sentido que Anouilh actualiza o mito, na medida em que coloca os problemas tal como eles surgem no nosso quotidiano.

Já no seu tempo Sófocles havia criado os seus caracteres inspirado no ideal de conduta humana. Humanizou a tragédia e fez dela o modelo imortal da educação humana. Assim, Antígona eleva-se a uma grandeza humana pelo aniquilamento da sua própria felicidade terrena e da sua existência física e social. O drama de Sófocles gira em torno da imposição política que pesa sobre o espírito individual na interioridade silenciosa do ser. Este silêncio e também a solidão são as condições essenciais do teatro de Sófocles.

A obra de Sófocles e a de Anouilh foram representadas em épocas diferentes, no entanto ambas convidam ao estudo de uma vertente feminista se remetermos para o facto de Creonte e Antígona representarem dois pólos antagónicos. Creonte não admite nem consente a falta de Antígona, possui o poder real e pensa que o pode perder ao reconhecer a uma mulher o direito de o contestar. Este facto vem comprovar que na Antiguidade as mulheres não têm o direito de refutar as decisões masculinas, mesmo quando estas provem ser injustas e afrontem os próprios deuses. O debate entre as duas irmãs centra-se na questão do papel a desempenhar pelas mulheres na cidade. A pólis é uma realidade essencial na vida dos gregos e em Sófocles verifica-se que esta surge como mediadora entre o Homem e o mundo.

O drama de Anouilh, espelho de uma sociedade, reflecte um mundo onde o homem para não se corromper arrisca a própria vida chegando mesmo ao extremo: a morte como a única solução. A vida e a morte surgem como os valores mais importantes do ser humano, abordando concomitantemente outros temas como o amor fraternal e o respeito pelas leis humana e natural.

Conceição Azevedo
Línguas e Literaturas Clássicas e Portuguesa

*http://www.uma.pt/Publicacoes/FORUMa/200207_A2N4/antigona_2.html

Sem comentários: