25/12/03

Amor com prazo de validade

"Primeiro vem o cheiro,
depois os olhos desde sempre
conhecidos, a seguir o abraço
de mistura com palavras doces e amargas - almas gémeas zangadas? -
e depois a despedida.
Quem me livra deste amor que não escolhi? Meus Deus, livra-me de mim."

Pedro Paixão - Histórias Verdadeiras

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Há quem diga que os grandes amores têm prazo de validade.
Percebe-se porquê. Para serem grandes têm de ser permanentes e invasivos. Têm de provocar tensões, ansiedades e medos de perda. Precisam de drama e de mistério. Precisam de proximidades e inacessibilidades, de presenças e de ausências, de partidas com lágrimas e de regressos apaziguadores. Precisam de um movimento, de uma cor e de um cheiro que os tronem únicos.

Estupidamente, nós, protagonistas das histórias de amor não precisamos de nada disto. Não aguentamos tanto folclore com facilidade e acabamos repartidos entre a ideia de que "é bom" e "isto não pode continuar";´"é muito bom", "devo estar louco"; "é o homem da minha vida", "ninguém faz isto"; "tenho que pôr ordem na minha vida" e "que coisa mais anormal".

Vai daí, suspiramos pela normalização da relação, pelo momento em que tudo decorra tranquilamente. Desejamos poder ser capazes de nos voltarmos a preocupar com assuntos banais, com temas sem nenhuma referência ao outro. Esperamos o dia em que, sem mágoa, o possamos mandar de fim-de-semana com os amigos ou à pesca para longe.

Claro que quando esse momento chega e se instala, quando o amor se adquire como facto consumado, esperado e devido, deixa-se o território do grande amor.

Fica-se com a nostalgia de uma iniciação, a saudade do que já foi, o compromisso desejável entre o tudo e o nada. Ou então reinicia-se o ciclo da procura de sentidos e lá vamos nós outra vez hesitantes.

"Quem me livra deste amor que não escolhi? Meu Deus, livra-me de mim".

Isabel Leal, «Gostar de Quem Não Gosta de Nós»

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