09/01/07

'SHALOM, MEU AMOR '

Edvard Munch

A chave

Deitei fora a chave mágica das frases certas e agora dei comigo a perseguir a magia de certas frases. Dou comigo a balbuciar o Ladino e a pisar o kipah perante o espanto do parnas. Corro, fujo por um caminho infinito de que sei de cor os desvios, derrubo o menorah onde há pouco acendi as velas com que jurei orar em Kotel Maaravi no Yom Kipur e alcanço o ar livre. Rio-me por alcançar a minha própria Pessah ao abandonar tudo em teu nome. E, aí, encontro-me perante a impossibilidade de te re-encontrar.
Busco-te e precipito-me cada vez mais na complexidade da entropia, como quem se tenta a si mesmo e se depara com a imensidão do ser por construir, do ser virgem e pronto a ser moldado, torcido, retorcido, vencido. A impossibilidade do retorno...
Finalmente, vencido, eis-me pronto a flutuar por entre a indecisão dos dedos que ensaiam o agarrar-me e o interpretar-me tal como sou : jogo de espelhos infinitos sobre o quais construí o meu caleidoscópio e no qual te retive numa eternidade repetida como a das ondas provenientes da pedra que lancei ao lago da vida . Cada uma dessas ondas é o eco da ressonância do que já fui, do que virei a ser, do que nos imaginei ser e do que nunca viremos a ser porque nos deixámos aprisionar na repetição do que nos outros nos espelhámos.
Volto atrás e relembro o bar mitzva em que me julguei detentor da Verdade e em que reflecti o brilho dos olhos dos que em mim derramaram a Cabala e me quiseram hazan celebrando o Rosh-ha-Shana em Tishré. Ai, Eretz-Israel...perdi-me perdendo-te e abracei os gentios à procura do finito.
Hoje deitei fora a chave mágica, desliguei as interferências cósmicas do devir e olhei para ti. Um fluxo eterno vindo dos teus olhos obrigou-me a cerrar os meus e a desistir das midrashim e da arvit E eis-me eu, ainda mal pronunciado o Shemah Israel, a caminho do holocausto antes de te viver, meu amor.
Mais me valera a indiscriminada Shoah... pela esperança de te ter ?
SHALOM, MEU AMOR
JR - Folhas Soltas - 26.05.2000

[A tragédia da morte é roubar a remota possbilidade de nos redimirmos perante 'o outro'...não mais se poderá emendar o erro, não mais se poderá compensar a ausência, não mais se poderá ouvir o silêncio...Fica apenas um 'pour_lidia' a tocar para todo o sempre...para que a Memória não se perca, jamais!]


tte)/"Quando abarcarmos esses mundos e o conhecimento e o prazer que encerram, estaremos finalmente fartos e satisfeitos?",WW