18/05/04

Ainda as fotos da tortura...

O problema das fotografias

Há qualquer coisa nesta história das fotografias e do vídeo das torturas aos prisioneiros iraquianos que escapa ao entendimento comum. Aparentemente, e quase tudo nesta história se joga no domínio das aparências – excepto a crueldade – os torturadores tinham ordens dos serviços secretos e das patentes militares, para fotografarem as sessões.
Aliás, a abundância de fotografias entretanto aparecidas, e a abundância das fotografias que ainda não apareceram e que todos dizem já existirem há muito tempo, mais o vídeo ou vídeos, sugerem que a prática era não só encomendada, como praticada e autorizada livremente. Alguns soldados enviaram para casa, pela internet ou por correio, fotografias das cenas chocantes, e outros soldados tinham-nas transportado para casa e até, caso passado em Inglaterra, mandado revelar na loja kodak mais próxima. Como recordação.

Torturas personalizadas e adequadas ao estatuto e cultura dos prisioneiros sempre houve e haverá. No caso de prisioneiros do mundo islâmico, árabes ou afegãos, é sabido que a tortura consiste, precisamente, na violação das normas do pudor e no atentado à crença e às proibições da crença. A humilhação física e sexual adquire assim contornos de uma dupla crueldade.

Um dos prisioneiros soltos de Guantanamo, e ninguém sabe o que se passou e continua a passar em Guantanamo, queixou-se a organizações dos direitos humanos e aos media que uma das torturas consistia em mostrar filmes pornográficos com mulheres acariciando-se umas às outras. Eis o mundo ocidental em todo o seu esplendor.

Mas, numa sociedade aberta e altamente mediatizada como a nossa, em que as imagens e a informação circulam e se transmitem em tempo real, como é que se espera que estas imagens não acabem publicadas? Qual a inteligência de serviços secretos que mandam tirar fotografias das torturas e depois não controlam a consequência deste jogo de abominações? E como poderia o Secretário de Estado da Defesa , Donald Rumsfeld, ignorar estas práticas e a sua prova, se tanta gente já sabia delas? Excepto o Presidente Bush. Se o general Richard Meyers tentou impedir o programa da CBS 60 Minutes, onde as primeiras fotos apareceram, porque não tentou impedir que o Presidente soubesse da história pela televisão?

A guerra do Iraque foi travada por falcões, mas, pior do que isso, foi travada por gente estúpida. Rumsfeld está arrependido que as fotos tenham surgido à tona, não está arrependido que elas tenham sido tiradas.

Clara Ferreira Alves, 10-05-2004 in Diário Digital

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