21/05/04

"O amor altruista...existe?" II

E por falar em amor

["Primeiro vem o cheiro,
depois os olhos desde sempre
conhecidos, a seguir o abraço
de mistura com palavras doces
e amargas - almas gémeas zangadas? -
e depois a despedida.
Quem me livra deste amor que
não escolhi? Meu deus, livra-me de mim"
Pedro Paixão
Histórias Verdadeiras
]


(...)
Há quem diga que os grandes amores têm prazo de validade.
Percebe-se porquê. Para serem grandes têm de ser permanentes e invasivos. Têm de provocar tensões, ansiedades e medos de perda. Precisam de drama e de mistério. Precisam de proximidade e inacessibilidades, de presenças e ausências, de partidas com lágrimas e de regressos apaziguadores. Precisam de um movimento, de uma cor e de um cheiro que os tornem únicos.
Estupidamente, nós, protagonistas das histórias de amor não precisamos de nada disto. Não aguentamos tanto folclore com facilidade e acabamos repartidos entre a ideia de que "é bom" e "isto não pode continuar"; "é muito bom", "devo estar louco"; "é o homem da minha vida", "ninguém faz isto"; "tenho que pôr ordem na minha vida" e " que coisa mais anormal".
Vai daí, suspiramos pela normalização da relação, pelo momento em que tudo decorra tranquilamente. Desejamos poder ser capazes de nos voltarmos a preocupar com assuntos banais, com temas sem nenhuma referência ao outro. Esperamos o dia em que, sem mágoa, o possamos mandar de fim-de-semana com os amigos ou à pesca para longe.
Claro que quando esse momento chega e se instala, quando o amor se adquire como facto consumado, esperado e devido, deixa-se o território do grande amor.
Fica-se com nostalgia de uma iniciação, a saudade do que já foi, o compromisso desejável entre o tudo e o nada. Ou então reinicia-se o ciclo de procura de sentidos e lá vamos nós outra vez hesitantes.
"Quem me livra deste amor que não escolhi? Meu Deus, livra-me de mim".

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in «Gostar de Quem Não Gosta de Nós» , conj. de Crónicas de Isabel Leal (Psicologa), ed. Jan 2001

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