"A dialéctica é uma coisa fabulosa."
FEBRE DE SÁBADO À NOITE
«São três da manhã. Eu já não sei nada. Este carro bem podia andar muito mais depressa. Não sei para onde vou mas urge chegar. Não concorda? O melhor se calhar é ir sempre. Sempre! É isso: não convém chegar sequer. Se houvesse possibilidade engolia todo o Presente, só para digerir o Passado e arrotar o Futuro. Que novos rituais inventaram agora? Nada. São tudo formas modernas de ser-se antigo. A moda fica sempre obsoleta e a estupidez continua a ser a melhor notícia. E vós minhas queridas? Nem belas, nem inteligentes, nem ao menos fieis. Vossas senhorias sois apenas apêndices da minha agonia espiritual. Seria bom arranjar uma namorada formada em Química e Farmácia: quecas e drogas novas. Perfeito! Sempre gostaria de saber porque nunca me matei. Nunca tiveram a sensação de tudo existir por vossa causa? Mas a festa está sempre à solta. Não é? Quanto mais tolo, mais gozo. Em frente. Larachadas e engates avulso! Nas noites em que fui parvo e fútil, adormeci quase sempre acompanhado. Quando começo a fazer o balanço de tudo e fico mais perto de ser lúcido, fogem todas a sete pés. Mais vale ser futebolista, ou culturalmente um "excesso". Não me interessa. Com os pés já afaguei vaginas aflitas. Bonito, não é? E uma vagina continua a ser um espaço virtual sempre à espera de ser visitado. Acho que a poesia se resume a isto: visitas espontâneas pelo Universo dentro! Pode-se visitar tudo e nem é necessário deslocarmo-nos. E você, entretanto, já se convenceu que é alguma coisa? Não se iluda. Continue a sua tarefa de estar vivinho simplesmente, e basta!!! Não queira ir mais longe, pelo facto de que não saberia como. Reduza-se. Porra! Detesto estes putos barulhentos a gregoriarem à volta da minha pessoa. - Ó pá se vomitares para cima do carro levas-me às cavalitas! Não há nada pior que a juventude: hormonas descontroladas, força muscular e ignorância! Mas isso numa gaja até pode ser quase uma virtude. Etc. Etc. Tenho um cigarro acabado de acender, deitei uma beatinha mirrada pela janela do carro, e está uma beata crescida a arder no cinzeiro. O que seria eu sem o tabaco? Diz-me para virar na próxima saída? Mas ali só há uma discoteca de burgessos. Pronto já sei: você também se tornou um gajo com pinta através de um catálogo. Está bem, eu deixo-o lá! Não me agradeça; a minha vida tem sido uma sucessão de altruísmo-pelo-combate-ao-tédio. Eu explico: canso-me com facilidade de mim. Preciso de sair constantemente. É claro que tem sido quase sempre como dar pérolas a porcos. Mas, assim como assim, divirto-me neste processo. Se eu lhe disser que você é um personagem que eu inventei esta noite, não acredita? Ah! Aselhas! Qual tolerância zero qual carapuça! A lei deveria ser alterada: quem se deixasse bater por trás tinha sempre a culpa. Era ver todos a rodarem à ganância. Nunca mais haviam engarrafamentos. E nós, pessoas de bem que circulamos natural e seguramente a um "pintor e 80" por hora, já podíamos dizer com toda a propriedade: " se não sais da frente, escavaco-te, Arrrrrrrrrrrrrrrrreee! " Seria lindo e fluente. Quer que eu vá mais devagar? Tem medo? Mas de quê? De morrer ou de não viver? Abra a garrafa de bolso que está no tablier; como pode constatar só me faltam a bordo os sacos de vómito. Pronto, já chegámos. Não, para ali não vou. Entenda-me, não consigo estar com mais de um asno de cada vez, e aquilo é um meeting deles. Não estou com "onda"? Meu caro; "ter onda é cagar na onda dos outros"! E já agora fique a saber que não trocava, por nada deste mundo, o meu nariz abalroado, os meus olhos desfocados e o meu rosto de boa linhagem a precisar de bate-chapas e com a cremalheira dentária periclitante, pela sua irreversível cara de padeiro. Divirta-se. Quando você se transformar em verme talvez eu seja um pinto. A dialéctica é uma coisa fabulosa. Agora vou-me embora. Estou com pressa. Deus era lento: seis dias para criar isto. Em seis horas já criei e arrasei mentalmente universos desmultiplicados. Deixem-me ir ! É preciso ir ! Ir !!!!»
embasbacado, 2004-05-09 (19:31), in PASTILHAS
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