05/09/04

Os Pequenos e os Grandes Amores

"Uma das obsessões da Vanessa é tentar medir o amor, coisa que os lúcidos evitam, mas não são para aqui chamados. Os amantes lúcidos escapam a uma quantidade enorme de maçadas e nem sequer dão o devido valor ao que têm - falo da lucidez, claro, e não do amor. Eu prezo os lúcidos, principalmente porque não me cansam, o que não se passa com a Vanessa.

O "metro amoroso" sempre fez parte da vida da Vanessa, que eu me lembre é desde a Faculdade. Empunhar o metro a cada novo namorado sempre foi um hábito, e talvez essa prática seja um vício, como o das limpezas.

O meu amor pelo Júlio foi menor do que o meu amor pelo João. Acho eu. E tu?

Mediste como?

Não sabes medir o amor?

Sei lá. E a conversa não me interessa nada. E o que eu devia era medir as distâncias.

A sério que não sabes medir o amor?

Nunca pensei nisso.

Mas nunca quiseste identificar o tamanho do amor?

(...) (...)

Oh, estes diálogos sinistros. Já não digo mais nada. Vou-me embora. Vou para casa. As coisas vão ficar pior. A lucidez manda-me recolher aos abrigos. Era, aliás, onde eu já devia estar.

Ó Vanessa, vai medir alguma coisa que se veja. Mede o tamanho das janelas.

E então ela pôs o sorriso a que eu sei que chama o seu "sorriso sábio". O "sorriso sábio" da Vanessa é profundamente irritante, como quase todos os "sorrisos sábios". Eu sei que é um sorriso estudado (há muitos anos, numa época em que dividimos a mesma casa, apanhei-a várias vezes ao espelho a estudar aquilo). E, com o sorriso, veio a sabedoria, que eu dispenso, mas que ela tem por muito útil.

É no fim do amor que se descobre o tamanho. Quando acaba. Antes não se lhe consegue tirar as medidas, fiz grandes esforços, mas foi inútil. Só se descobre o tamanho do amor quando se acaba tudo. É uma contradição, mas é a verdade. Quando se acaba e só dói um músculo, ou uma cãibra, e tomas Voltaren e passa, é porque era um amor pequeno. Se te cair uma grua em cima, talvez fosse grande. Acabar com um amor pequeno é bom, é só uma maçada. Cada vez que percebo que era um amor pequeno fico contente. Oh, mas devia ser possível tirar as medidas, para evitar tratar um grande como se fosse um pequeno ou um pequeno como se fosse um grande. Estás a ver, eu gostava de amar proporcionalmente."

Fita Métrica
Por ANA SÁ LOPESDomingo, 05 de Setembro de 2004, in Público


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Quando abarcarmos esses mundos e o conhecimento e o prazer que encerram, estaremos finalmente fartos e satisfeitos?,WW

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