«Necramor»
Egon Schiele, Embrace
I
Meu amor, verdadeiro apenas o mal dito,
Desde sempre impossível, sempre preterido,
Meu amor verdadeiro, em penas e maldito,
Desde sempre possível, sempre preferido.
Do veludo das rosas teremos espinhos,
Do espinho da rosa o veludo do sangue,
Quero-te sem que saibas, inalo-te em vinhos,
Sugo-te no cigarro : tombarás exangue!
Derradeira esperança, que da vida farta,
Capitules nos braços da morte, nos meus,
E que então eu te abrace, te estreite, te parta,
Homem em ti me finde e ressuscite deus!
A morte não separa, dir-te-ei que une,
Se não te tenho em vida quero-te na morte,
Que o teu corpo gelado aos terrores imune
Possa enfim me acolher como digno consorte.
Mas que nuvem te tolda? Fere-te a visão?
Pois bem, amor jamais meu, acaso observaste
A mulher excitada, o homem com tesão?
Duas mortes tentando, que isso te baste,
Preencher seus vazios com uma ilusão.
Meu amor é mais puro, mais digno e mais nobre,
Da morte que vivemos nada espero já,
Na morte que morremos não mais serei pobre,
Comigo levarei, qual um louco rajá,
Amor que nunca tive, amor que tudo encobre.
Não sabes que te amo e que não posso amar-te,
Não me amas nem sabes, nem sonhas sequer
Que em guerras que me travo és o meu estandarte,
Que o sol para brilhar teu semblante requer.
II
Não quero possuir-te mas tão-só tocar-te
E sentir o teu corpo responder ao meu,
Mas não quero sentir-te sem que seja arte,
Sem que duma falácia faça um apogeu.
DeusExMachina, in Bibliotecl@ do Sapo
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