12/03/04

Quero...

ORAZIO,Lou
...que um Anjo me caia aos pés


«Há alguns anos atrás, num dia qualquer de chuva, ainda as gotas começavam a cair e eu caminhava sem chapéu. Há uns anos atrás, as gotas começavam a cair, eu caminhava sem chapéu e ia para a Baixa. Alucinado, ou talvez não, lembro-me de na minha alucinação de então ter olhado para o céu como se existisse algo ou alguém
que de lá me respondesse e disse-lhe: "Quero que um Anjo me caia aos pés, que um Anjo me caia e eu...segurando-o pelos colarinhos, pelo seu fato de Anjo sujo e roto, caído para o meio da lama, lhe faça, então a pergunta... a pergunta que eu não sei qual seja, para algo que eu não sei o que é... mas não, não quero saber, só quero que o Anjo me surja." Há alguns anos atrás eu caminhava para a Baixa e chovia como se alguém nos cuspisse em cima, anos e anos atrás eu caminhei até à Baixa. Já estava lá perto, sempre com aquela ideia do Anjo quando nisto... olho para a parede do meu lado direito e adivinha o que lá estava? O Anjo!! O Anjo desenhado e pintado a grafitti, parado, a olhar para mim, a olhar para mim da parede! O Anjo!!!Anos e anos atrás, chovia, eu entrei no café Santa Cruz e um grupo de uns quantos de seres poéticos (algo que não sou e que nunca fui, sempre que declamei poesia foi com a boca cheia de sangue) declamavam poemas atrás de poemas para uns quantos de intelectuais e de cromos que bebiam cafés e finos enquanto chovia lá fora. Anos e anos atrás, sentei-me para ler à frente de uma tipa de quem andei atrás devido a um mau gosto acentuado da minha parte... sem que isso me tenha levado a lado algum. Anos e anos atrás, sentei-me para ler, escrevinhar, matar o tempo e a loucura que me matava no meio daquele cenário. Chovia lá fora, estranhamente estavam sempre a cair mosquitos na minha mesa, por cima do meu café, por cima do meu fino, por cima das palavras dos poetas que me surgiam como sons descompassados, vagos e torpes. Eram as suas asas que tombavam. Perguntas se eram as asas dos mosquitos? Não, não eram. Eram as asas do Anjo. Que eu vira desenhado na parede. Desenhado a grafitti. Anos e anos atrás. Quando chovia.»


Ricardo M.,30 Jun 2003

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