04/04/04

"A Esperança em si" II

«Bem, primeiro, o que é a felicidade ? A felicidade como estado permanente é quase sempre associada à ignorância, a tal douta ignorância. Ou então à loucura. De qualquer modo é sempre correlacionada com um estado patológico. Não há, que eu conheça, nenhum termo que defina tal estado; já o de tristeza permanente é conhecido como melancolia. E embora esta também seja considerada uma “doença”, foi somente vista pelo prisma da disfuncionalidade a partir do século XX onde todos temos de ser felizes. Esta última é muitas vezes, erradamente talvez, suponho, agregada à inteligência e ao conhecimento. Resumindo, essa felicidade permanente ou pelo menos maioritária implica um certo desconhecimento dos factos, da realidade; esta, num estado normal, nunca pode levar à felicidade. Um estado de felicidade é sempre acompanhado pelo prazer. Excepto em patologias como o masoquismo mas mesmo aí a dor acaba por ser um prazer, portanto. Como ia dizendo a felicidade e o prazer acompanham-se. O prazer em si não é algo de positivo mas sempre negativo. Ou seja, nasce da satisfação de uma necessidade e só dura até ao aparecimento de outra e reaparecerá quando outro desejo for aplacado. A satisfação de todas as necessidades seria obviamente, assim sendo, o cúmulo da felicidade, atingida normalmente pelo dinheiro já que permite a acumulação de “coisas” e “serviços”, sendo ele todas as possibilidades in abstractu. Aqui aparece a necessidade metafísica. Uma vez que todas as necessidades físicas foram saciadas restam-nos as mentais. E estas só se apresentam quando as outras foram eliminadas. Como diz Jaccard : “On ne désespère jamais du monde le ventre vide”. O único modo de escapar-lhe é, segundo Schopenhauer, a apreciação artística em que a mente se absorve da realidade e entra na Arte. Nietzsche vai ainda mais longe dizendo que a única validação do mundo seria a Arte e imagina mesmo um “Deus Artista”. A tal alegria nietzscheana só pode mesmo nascer daí, em particular da música.
Portanto, o único suicídio por felicidade que consigo imaginar seria o de alguém convicto que tinha atingido o apogeu do prazer e da felicidade e que se decida matar pois sabe que nunca mais sentirá algo igual. Mesmo neste caso seria ainda assim por infelicidade a priori.

De notar que naquela pequena insónia ["A Esperança em si"] não se fala da felicidade ou da infelicidade de ninguém.»DeusExMachina, in Bibliotecl@ do Sapo


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...primeiro o autor não precisa falar disto, ou daquilo...para que o leitor o entenda, se assim o entender...

...depois, resta definir o que é felicidade?!?...mas, importará definir felicidade?...a felicidade não será, sempre, aquilo que cada um entender como tal?...quem tem capacidade para dizer, ao outro , o que é felicidade?

...depois, depois restará perceber (ou tentar perceber) porque razão alguém que é (supostamente) feliz - lá está: a definição caberá a cada um - entende suicidar-se... ou, pelo menos, tentar...?

...é-me claro que o suicídio (ou, mesmo, a tentativa) resulta dum estado de infelicidade a qualquer nível...e não haverá ninguém, no mundo, capaz de convencer um suicida que não há razão para a sua infelicidade...

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