"WHISKY"
«Não tenho de provar coisa alguma ao Mundo. Nunca tive. Nem a mim próprio. Ainda agora penso, que nem V.Exa. tem dinheiro para me comprar, nem eu estou à venda. Compreenda: o Sr. é um labrego e eu com a minha pinga de sangue azul dissolvida gerações atrás, seríamos sempre incompatíveis. Já não acredito em nada. O que é que existe para se acreditar? Chateia-me apenas o facto de não ter dinheiro para executar o meu terrorismo. Metaforicamente falando, já se vê. O que eu criaria? Conheço a sua lábia ; se eu lhe contasse mais, amanhã estava o projecto em marcha. Não é, ó mentecapto?! Não. Nada. Rigorosamente coisa nenhuma. E é aí que reside a diferença: você mata-se para arranjar a sua tranquilidade, eu vivo sem tranquilidade nenhuma. Ainda há dias estive a falar com um daqueles seres que se esfalfaram a vida toda para conseguirem ter comodidade. Com muito suor e orgulho. Patético. É o mesmo que me dizerem que chegaram à América a nado. Será que não sabem da existência dos aviões, transatlânticos, submarinos, ou até dos barcos à vela, ou mesmo jangadas? Não há mérito nisso. Nem em funções de esforço. Nem em qualquer tarefa humana. Há actividades louváveis e ponto. Mas são tão poucas! Ser inteligente é, para mim, uma doença incurável. Gostaria de viver numa sacana duma pátria mais atenta para com os seus filhos. Bastava-me ter sido normal, no entanto como abomino essa palavra. O que eu quero da vida? Whisky. Sempre cheio se faz favor. O sexo também é bem-vindo, embora as fêmeas nunca tenham entendido o movimento que a alma pode impulsionar ao pénis. Você tem projectos, já sei. Mas, do meu ponto de vista, os projectos são a imperfeição humana. O tempo que decorre entre uma ideia linda e a sua concretização é a nossa impotência em marcha. É a puta da matéria. Não. Nem escrever. Matei em mim A POESIA toda. Tive um amigo que morreu no ano em que se formou em Veterinária. Sonhava extrair vitelos e zebras das conas das suas mães em África. Disse-me um dia: os melhores poemas são simplesmente aqueles que nunca foram escritos. A linguagem é uma armadilha e nós somos a sua presa (onde é que eu já ouvi isto?). Ir mais longe é um exercício solitário e de alto risco, não pode cair no papel. Não me entende? Eu já sabia disso. Você usa verbos que eu já esqueci: ter, fazer, criar, progredir. Ó falo murcho em mente estagnada: SER! Há que ser com toda a força. Só isso. Todos falam hoje, à boca cheia, do futuro. Não agarrem eles o presente... Não caguem eles no passado... O que quer que seja que seja já, imensamente agora! Não há tempo para mais, nem pachorra para tais! -Whisky e já! Está a ver? O barman entende-me. É tudo tão simples que chateia o facto de ter de enfrentar constantemente seres como você. Não quero nada, tenho meramente fome de tudo. E já! Arte? Sim, com tremoços. Escrevi ensaios com sete canecas de cerveja. Arrotei muito. Mas dá azia. Não suporto efusões gástricas do espírito. Prefiro o efeito avassalador, anedótico e humano do whisky. Já controlo suficientemente bem as ressacas. Sabedoria é isto. Saber ser. Desculpe mas não aceito: a partir de agora só bebo duplos. É cavalgante depois de uma série de copos. Não está interessado em pagar-me um duplo? Nem eu! Ouça cá, conhece a obra de Herberto Helder?...
"-Talvez o senhor seja mais inteligente do que eu..."»
embasbacado, 2004-04-27 (13:24), in PASTILHAS
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...de mestre!!!!...Eu(zinho) tens aqui um camarada...;-))))... (ai, meus deuses!, qd ele me exigir os direitos de autor, 'tou feita!...grrrrr)
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