"Solidão. Silêncio. Ruído."
«Muito raramente nos é possível dizer aquilo que pensamos. Não se trata de um problema de liberdade. Trata-se da própria natureza do discurso. As palavras estão aquém do pensamento, a sua lógica é insuficiente na organização formal do pensamento. O primeiro problema surge de não pensarmos apenas com palavras ou mesmo conceitos. Há pensamentos que misturam emoções, imagens, sentimentos. São pensamentos que dizemos confusos, embora os saibamos bastante claros dentro de nós. O que os torna confusos é a frustração que sentimos quando não logramos transformá-los em palavras. Depois, existe o outro, esse obstáculo imenso. Os nossos interlocutores raramente compreendem o que lhes dizemos, muito menos o que lhes quereríamos dizer. Tal compreensão exigiria um esforço que a maioria das pessoas não se dá ao trabalho de levar a cabo. Um esforço de parte a parte. Não porque sejam estúpidas, mas somente porque são como nós: limitadas. Num plano mais pessoal, confesso que nunca estou certo das palavras que escolho para transmitir uma mensagem serem as mais adequadas àquilo que pretendia dizer. Tal sensação deixa-me amiúde num gaguejo insuportável, incomodativo, que pode ser o princípio de muitos equívocos, erróneas interpretações. Também por aqui julgo que estamos condenados à solidão. No nosso discurso, cifrado pelos artefactos lógicos da língua e do pensamento, apenas sobra uma ínfima parcela, muito sombria, da nossa essência. As palavras são um véu que cobre o Ser, escudam o pensamento enquanto o obsidiam, falsificando-o, encarcerando-o, encobrindo-o com uma espécie de manta de retalhos linguística. Poderão alguma vez dois indivíduos comunicar entre si a sua essência? Haverá alguma essência para comunicar? Serão as palavras um encontro com a essência? Não, não, não e não. Solidão. Silêncio. Ruído.»
Publicado por Juraan Vink in universos desfeitos, em abril 5, 2004 12:39 PM
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