Murcon: Directos ao corac,o.
«Receio que a velhice também seja isto - refugiar-me nas palavras para esconder a preguiça que torna difícil as barricadas, mesmo simbólicas. Saber-te nelas enche-me de orgulho e receio. Porque me rejuvenesces e afastas ao mesmo tempo.»
RECEITA PARA FAZER O AZUL
Se quiseres fazer azul,
pega num pedaço de céu e mete-o numa panela grande,
que possas levar ao lume do horizonte;
depois mexe o azul com um resto de vermelho
da madrugada, até que ele se desfaça;
despeja tudo num bacio bem limpo,
para que nada reste das impurezas da tarde.
Por fim, peneira um resto de ouro da areia
do meio-dia, até que a cor pegue ao fundo de metal.
Se quiseres, para que as cores se não desprendam
com o tempo, deita no líquido um caroço de pêssego queimado.
Vê-lo-ás desfazer-se, sem deixar sinais de que alguma vez
ali o puseste; e nem o negro da cinza deixará um resto de ocre
na superfície dourada. Podes, então, levantar a cor
até à altura dos olhos, e compará-la com o azul autêntico.
Ambas a s cores te parecerão semelhantes, sem que
possas distinguir entre uma e outra.
Assim o fiz – eu, Abraão ben Judá Ibn Haim,
iluminador de Loulé – e deixei a receita a quem quiser,
algum dia, imitar o céu.
Nuno Júdice
(Portugal, 1949).
Poeta, ensaísta, crítico literário e romancista.
Autor de livros como Lira de Líquen (1985),
Meditações sobre Ruínas (1994),
Teoria Geral do Sentimento (1999),
e A Árvore dos Milagres(2000).
Se quiseres fazer azul,
pega num pedaço de céu e mete-o numa panela grande,
que possas levar ao lume do horizonte;
depois mexe o azul com um resto de vermelho
da madrugada, até que ele se desfaça;
despeja tudo num bacio bem limpo,
para que nada reste das impurezas da tarde.
Por fim, peneira um resto de ouro da areia
do meio-dia, até que a cor pegue ao fundo de metal.
Se quiseres, para que as cores se não desprendam
com o tempo, deita no líquido um caroço de pêssego queimado.
Vê-lo-ás desfazer-se, sem deixar sinais de que alguma vez
ali o puseste; e nem o negro da cinza deixará um resto de ocre
na superfície dourada. Podes, então, levantar a cor
até à altura dos olhos, e compará-la com o azul autêntico.
Ambas a s cores te parecerão semelhantes, sem que
possas distinguir entre uma e outra.
Assim o fiz – eu, Abraão ben Judá Ibn Haim,
iluminador de Loulé – e deixei a receita a quem quiser,
algum dia, imitar o céu.
Nuno Júdice
(Portugal, 1949).
Poeta, ensaísta, crítico literário e romancista.
Autor de livros como Lira de Líquen (1985),
Meditações sobre Ruínas (1994),
Teoria Geral do Sentimento (1999),
e A Árvore dos Milagres(2000).
1 comentário:
...há mesmo muita gente que não gosta de cozinhar...
Enviar um comentário